quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Madame diz que o funk tem pecado, que o funk tem maconha e devia acabar...

Em outros tempos o samba, um dos maiores patrimônios culturais do país, foi vetado pelas elites e combatido pela polícia.
Em 1945, já na metade do século XX, quando o ritmo estava consolidado na música popular, era cantado pelos mais conhecidos artistas, mas mesmo assim não era digerido pela burguesia, Janet de Almeida, irmão de Joel de Almeida, da dupla Gaúcho e Joel, gravou e lançou a música "Pra Que Discutir com Madame", em parceria com Haroldo Barbosa, que foi anos depois magistralmente regravada por João Gilberto.
Sua letra expressa com exatidão tudo o que as classes "superiores" acham das coisas populares:

Madame diz que a raça não melhora,
Que a vida piora por causa do samba,
Madame diz o que samba tem pecado,
Que o samba é coitado e devia acabar.
Madame diz que o samba tem cachaça, 
mistura de raça, mistura de cor,
Madame diz que o samba, democrata, 
é música barata, sem nenhum valor.
Vamos acabar com o samba, 
madame não gosta que ninguém sambe,
Vive dizendo que samba é vexame,
Pra que discutir com madame.

No carnaval que vem também concorro,
Meu bloco de morro vai cantar ópera,
E na avenida entre mil apertos 
Vocês vão ver gente cantando concerto.
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno, meu Deus que horror,
O samba brasileiro, democrata, 
Brasileiro na batata é que tem valor.

O samba resistiu a todos os preconceitos e se impôs.
Há mesmo quem jure que até doutores gostam hoje dessa música, embora a maioria deles prefira ritmos e culturas importadas de climas mais frios.
Não foi uma batalha fácil essa do samba.
Durou décadas, deixou inúmeras vítimas pelo caminho, mas o combate valeu a pena, o samba se tornou o ritmo musical que mais expressa a alma brasileira, é tocado e cantado em todo o país - e isso não é nada fácil, considerando o gigantismo do Brasil e a multiplicidade e riqueza de sua cultura.
É verdade que, para ser vitorioso, o samba, nesses anos todos, teve de se adaptar, incorporar elementos sociais e artísticos que não o desfiguraram, mas sim, ao contrário, o fizeram mais rico. 
Ele está aí, com os nomes de bossa nova, samba-canção, partido alto, pagode, samba-rock, sambalanço...
Mas se o samba mudou, o ódio das elites por tudo que vem do povo continua o mesmo.
Basta ver as notícias dos jornalões.
As madames de hoje podem até tolerar o samba em algumas de suas formas. Não suportam, porém que apareçam por aí jovens pobres, pardos, mulatos e negros, moradores das periferias, com pouca ou nenhuma instrução, desempregados ou com subempregos, sem grandes perspectivas de vida, se distraindo nos "templos de consumo" erguidos nas cidades com os nomes genéricos de shopping centers.
Como seus avós ou bisavós, esses jovens de hoje embalam suas festas com música. 
Não, não é o samba. Eles preferem um negócio chamado funk.
Sinal dos tempos.
Afinal, esses jovens pobres, pardos, mulatos e negros cresceram ouvindo a música importada de gente do hemisfério norte parecida com eles, foram submetidos ao bombardeio incessante de uma propaganda que diz que a vida não tem sentido se não for vivida sob o signo das grifes, se alimentam de algo que traduzido ao português quer dizer "comida lixo" e têm como única ambição, graças a esse sistema que lhes nega qualquer valor moral e ético, ganhar dinheiro, consumir, abusar dos prazeres e levar vantagem em tudo.
As madames de hoje dizem que a vida piora por causa do funk, dizem que o funk tem pecado, que o funk tem maconha, é música barata e sem nenhum valor. 
Mas as madames de hoje não dizem que quem criou os meninos pobres, pardos, mulatos e negros do funk foram elas próprias, com o apartheid social que impuseram a vida toda à maioria da população brasileira.
Como diz o ditado, quem pariu Mateus que o embale.



4 comentários:

  1. e eu amo funk!pura hipocrisia das elites...quando toca ELES não conseguem ficar parados...

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  2. http://www.brasil247.com/pt/247/economia/124298/Pr-tapea%C3%A7%C3%A3o-Eletropaulo-devolver%C3%A1-R$-626-milh%C3%B5es.htm

    Motta,isso talvez explique os apagões por aqui na nossa região oeste.

    abraço,

    werner

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  3. Realmente o discurso marginalista das elites vêm se reformulando de maneira incrível. E gente, pessoa da esquerda que não sobe o morro, não ta com o povão e sua cultura, não está com a esquerda.

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  4. Essa esquerda brasileira, que não sobe o morro, que não ta com o povão e sua cultura. Não está com a esquerda. Ta com a esquerda pela barba, pelo estato, não pelo significado e luta popular.

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