sexta-feira, 23 de julho de 2010

Acácio redivivo

O Conselheiro Acácio, para quem não sabe, é um personagem do romance "O Primo Basílio", de Eça de Queirós, um sujeito formalista, pomposo, metido a intelectual, dado a citações, falso moralista (era amancebado com a criada), autor de frases vazias, obviedades.
Deu origem ao termo "acaciano", segundo os dicionários, aquilo "que é ridículo pelas palavras convencionais e ocas de sentido ou pela aparatosa gravidade de maneiras ou pelo caráter sentencioso."
Eça o descreveu assim: "Um homem alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo, ia-se alargando até à calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto. Tingia os cabelos, que de uma orelha à outra lhe faziam colar para trás da nuca; e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, maior brilho à calva; mas não tingia o bigode: tinha-o grisalho, farto, caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo e as orelhas muito grandes, muito despegadas do crânio."
É quase impossível que qualquer um de nós não tenha cruzado algum dia com um tipo que lembre o Conselheiro Acácio. Eles existem às pencas, estão por todos os lados, na vida privada e na pública, enchendo os nossos ouvidos com clichês que às vezes beiram o ridículo.
Basta ler o noticiário político destes dias para ver o Conselheiro Acácio redivivo em todo o seu esplendor. Se lhe falta o bigode, a calva não nos engana. E as frases? As frases, então, são um primor, dignas de alguém cuja cultura se basta por si só.
Um pequeno exemplo dessa magnitude de pensamento foi extraída de uma recente entrevista que o nosso Acácio contemporâneo deu para uma emissora de televisão.
É admirável:

“Pobre no país paga o dobro em impostos em relação ao rico. Isso proporcionalmente. Por exemplo, a manteiga e uma série de produtos da alimentação têm impostos embutidos.”

“Acho que a gente tem o dever de antecipar os problemas. Para continuar crescendo no futuro, é preciso ter mais investimentos."

“É preciso fazer uma equipe homogênea. Hoje há diferenças [nas posições assumidas pelos responsáveis] entre o Banco Central e [os ministérios do] Planejamento e Fazenda. É preciso ter um time harmônico.”

“A questão da droga é gravíssima. O preço da cocaína baixou 50 vezes. Então, isso aumenta o consumo. [Mas, para combater, são necessárias] cinco etapas [de ações].”

“A base do crime organizado é o contrabando de armas e [o tráfico de] drogas. Por isso, quero criar o Ministério da Segurança. Se a segurança vai mal, o governo se desgasta com os governadores. O crime organizado é um crime nacional.”

“Eu acho que [a relação Estado-governo] deixa muito a desejar. A questão é da instituição, o Brasil tem um sistema eleitoral inteiramente obsoleto e malfeito principalmente o que se refere às eleições legislativas."

“[Sou candidato] porque creio que estou estou preparado. Porque creio que o Brasil pode mais em várias áreas como saúde, educação e segurança. Pode mais em áreas como infraestrutura. Diante de muitas manifestações de pessoas e do partido, eu acreditei que poderia oferecer com legitimidade meu nome.”

“Em geral, a projeção do Brasil [no exterior] foi positiva por causa dos 'bolsas' [alguns programas sociais cujos nomes nomes começam com a palavra 'bolsa'].”

“Minha posição de ontem, hoje e amanhã é a liberdade total de imprensa. O que não significa que você está sempre de acordo com tudo. Mas a imprensa é fundamentalmente livre."

“Meu avô nasceu e morreu analfabeto, meu pai ficou analfabeto até os 20 anos. No Brasil, não tem mais espaço para isso.”

“Acho que não é uma questão do Estado [o casamento de homossexuais]. Virou uma questão xodó das entrevistas. É um problema das pessoas. Cada crença entra na questão. Se uma Igreja não quer casar, o Estado não se intromete.”

Candidato a presidente da República, o nosso Conselheiro Acácio nada deve ao personagem de ficção imortalizado por Eça.
Ou melhor, deve sim: o Acácio original pelo menos fazia de tudo para se mostrar educado, de fácil trato, simpático. Reencarnado, perdeu toda a graça. Restou nele apenas o vazio.

Um comentário:

  1. Parabéns, esse Acácio candidato é o maior blefe que a oposição criou nos últimos tempos. Oremos.

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