Teixeira: "Tudo leva a crer que seja corrupto" (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)
O jornalista alemão Thomas Kistner, especializado em política esportiva do jornal Süddeutsche Zeitung, é autor de diversas obras sobre corrupção no esporte alemão e mundial. Seu próximo livro, previsto para ser lançado no primeiro semestre deste ano, tem como tema a corrupção dentro da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Ganhador de vários prêmios, ele é um profundo conhecedor do futebol brasileiro e afirma ser torcedor ferrenho da seleção canarinho.
Em entrevista à Deutsche Welle, Kistner analisa a situação política esportiva do Brasil, palco da Copa de 2014, e de seu principal personagem, o controvertido presidente da CBF e do Comitê Organizador Local da Copa (COL), Ricardo Teixeira, que sai neste mês de licença de seus cargos, notícia recebida com desconfiança pela imprensa europeia. "Acho que a era Teixeira está no fim", diz, na entrevista transcrita a seguir:
DW: Ricardo Teixeira, é personagem constante em artigos que o senhor escreve sobre corrupção no futebol mundial. Um exemplo é a reportagem intitulada "Inatacável, autoconfiante, corrupto", publicada pelo jornal Süddeutsche Zeitung em meados de agosto passado, do qual o dirigente brasileiro é figura principal. O senhor acredita que o presidente da CBF e do COL da Copa do Mundo de 2014 seja uma pessoa corrupta?
Thomas Kister: No estado atual das coisas, tudo leva a crer. Existem inegáveis transferências milionárias de dinheiro (no caso da falida empresa de marketing esportivo ISL, parceira da Fifa) para empresas atribuídas a Teixeira e até hoje não há esclarecimentos sobre os serviços que essa verba estaria pagando. Essas acusações não são novas, já têm muitos anos, e Teixeira nunca conseguiu se defender delas. E podemos ver o mesmo nas investigações que o Comitê Olímpico Internacional levantou contra João Havelange, ocasião em que houve um esclarecimento, onde se chegou à conclusão de que aqueles pagamentos foram suborno.
DW: Por que o presidente da CBF é repetidamente acusado de corrupção e nada parece acontecer?
Kistner: Sobre a falta de consequências para Ricardo Teixeira a respeito de acusações que já têm 10 anos ou mais, você tem que perguntar à própria Justiça brasileira. Ela recebeu, digamos, várias indicações de diversos parlamentares nas grandes CPIs contra a CBF, realizadas no Senado e na Câmara brasileiras há 10 anos e nada aconteceu. É evidente que as ligações de Teixeira, uma figura poderosa do futebol no Brasil, foram tão boas que conseguiram evitar consequências. Sobre as investigações na Suíça, deve-se dizer que o grande problema é o país não tem leis que punam dirigentes esportivos corruptos. Na suíça, eles podem encher os bolsos e saírem rindo, que não há problema. Não é coincidência que 80% a 90% de todas as organizações esportivas mundiais têm sede na Suíça. Eles fazem isso porque há grandes vantagens no país, como imposto e as leis mais relaxadas. O governo suíço está tentando mudar isso, planejando para ano que vem um projeto de lei que também prevê corrupção para dirigentes corruptos. Vamos ver se isso realmente será feito.
DW: O senhor acha que essa situação pode perdurar até a Copa do Mundo de 2014?
Kistner: Acho que a era Teixeira está no fim. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, anunciou na reunião executiva da Fifa que Teixeira ficaria o mês inteiro de janeiro de licença. Teixeira alegou problemas de saúde. Mas esse me parece o primeiro indício de que Teixeira está saindo de cena lentamente. O licenciamento de um presidente de um presidente de federação e do COL nessa altura do campeonato é uma medida bastante incomum. Não consigo lembrar de isso ter ocorrido nos últimos anos. Na CBF, já existem rumores de que se prepara um sucessor. Há grande pressão internacional atualmente sobre Teixeira e parece que agora é o começo de um lento adeus do dirigente brasileiro. Não posso imaginar a liderança do futebol brasileiro no ano de 2014 ainda esteja nas mãos de Ricardo Teixeira.
DW: O senhor não acredita que Teixeira algum dia venha a ser presidente da Fifa, como o dizem ser a intenção dele?
Kistner: Não posso imaginar que isso aconteça. A Fifa é hoje uma organização que no mundo inteiro tem fama de corrupta, e com razão, é inimaginável a quantidade de casos de corrupção que existiram e ainda existem envolvendo altas personalidades da entidade. Há investigações e processos não somente contra Teixeira, mas também contra outros funcionários. E o homem que é o principal responsável por tudo é o presidente da Fifa, Joseph Blatter, que continua em seu posto. Mas, diferentemente de Teixeira, as acusações contra ele, apesar de palpáveis, não foram provadas, o que só seria possível quando instâncias jurídicas independentes, fora do esporte, realizarem investigações. No caso de Teixeira, vemos que isso está acontecendo. Tanto no processo do caso da ISL, na Suíça, como em investigações no Brasil por suspeita de lavagem de dinheiro e fraude fiscal, pelo menos segundo o que foi divulgado.
DW: Existe uma guerra de poder entre Teixeira e Blatter?
Kistner: É evidente que sim. A partir das informações que temos, Teixeira planejou ser presidente da Fifa em 2015, há declarações dele na mídia brasileira que também comprovam essa avaliação. Seguramente, na época em que João Havelange transferiu seu posto ao sucessor, Blatter, algum tipo de conluio foi feito para que Teixeira fosse nomeado sucessor de Blatter. Conhecemos isso do Blatter, que promete tudo a todo mundo e não cumpre o prometido. E ele certamente não ficou muito contente. Além disso, tudo leva a crer que Teixeira apoiou o adversário de Blatter, Mohammed Bin Hammam, na última votação para presidente da Fifa, em junho. Muita coisa leva a crer que o relacionamento entre os dois se rompeu. São coisas que o Blatter não costuma perdoar. Podemos dizer já agora que ele, com certeza, não será o homem que vai apoiar Teixeira se ele tentar subir ao trono da Fifa, e dentro da Fifa nada acontece sem Blatter.
DW: O senhor sempre cita em seus artigos o papel da Rede Globo no apoio a Teixeira. Qual é o papel da mídia na corrupção no futebol brasileiro?
Kistner: A mídia tem uma situação delicada. De um lado existe a Globo, que tradicionalmente tem uma ligação estreita com Teixeira, sobretudo por causa dos direitos de transmissão de torneios de futebol. A Globo tem medo evidente que Teixeira se contrarie com a empresa e que ofereça seus direitos de transmissão à concorrente, a Rede Record, que tentou várias vezes conseguir esses direitos. Essa briga entre duas emissoras concorrentes em torno de direitos de transmissão de campeonatos de futebol é, naturalmente, bizarra. Traz um desequilíbrio nessa história toda, porque ambos os lados se interessam pela utilização comercial de direitos de futebol e não na verdade e no esclarecimento e punição de possíveis casos de corrupção dos dirigentes. Isso é um complicador adicional que permite que Teixeira sempre tenha uma carta debaixo da manga para agradar a um ou a outro lado. É realmente uma situação lamentável. E acho que tem um pouco de tradição no Brasil.
DW: O senhor, que já foi a várias Copas, tem conhecimento de situações parecidas em outros países nas vésperas de torneio tão importante?
Kistner: Na Alemanha, podemos dizer que a corrupção existe num grau mais profissional, mais elegante e sutil. Não é tão evidente como em países como o Brasil. Um dirigente como o Ricardo Teixeira não seria possível aqui, mas não diria que seria impossível que algo assim aconteça na Alemanha. No momento, temos uma situação de alta corrupção na paisagem do futebol brasileiro. Mas, por outro lado, agora há grandes esforços, e a presidente Dilma Rousseff parece que está fazendo um bom trabalho nesse sentido. Ela parece ter mesmo intenção de organizar a casa, já ouve demissão de meia dúzia de ministros por supostos casos de corrupção num tempo relativamente curto. É uma boa imagem que está sendo transmitida. O governo do Brasil e também a nação brasileira como um todo têm uma chance imensa nos próximos anos de mostrar uma imagem de melhorias e ganhar em credibilidade internacional, caso consiga “limpar a casa”, renovar e melhorar estruturas até a Copa de 2014.
DW: O que o senhor diria aos que dizem que tudo acaba em pizza no Brasil?
Kistner: Acabar em pizza é, com certeza, o que até agora vem acontecendo. E o medo que as coisas não mudem tem uma razão de ser, porque estruturas corruptas não podem ser mudadas da noite para o dia, e existe uma certa aceitação da corrupção dentro da sociedade. Mas agora, existe a chance, porque já houve um começo. E um sinal importante é que Ricardo Teixeira se encontra enfraquecido, não é mais inatingível como há um ano atrás. Se a Justiça brasileira e o governo fizerem seu trabalho, então nada mais acaba em pizza e será dado um passo adiante, tanto política como socialmente.
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