Christian Wulff: empréstimo suspeito (Foto: Wilson Dias/ABr)
Não há a menor dúvida que a corrupção é um dos maiores problemas enfrentados pela jovem democracia brasileira. A prática está entranhada no corpo social de tal modo que é praticamente impossível extirpá-la com a celeridade necessária para que o desenvolvimento da nação se faça de maneira equilibrada.
A luta para vencer esse câncer tem de ser ininterrupta, em todas as frentes, com todas as armas possíveis. E só no dia em que o país perceber que ninguém está acima da lei - como, por exemplo, julgam estar os integrantes do Judiciário e as empresas de comunicação - é que os rumos da batalha serão invertidos.
O problema, porém, não é exclusivo do Brasil ou das sociedades ditas "menos" civilizadas, essas que se situam no hemisfério sul do planeta. A corrupção se dá bem em todo lugar, mesmo naqueles mais improváveis, como na culta Europa.
Reportagem da Deutsch Welle, a agência oficial de informações da Alemanha, disponível em seu site, é ilustrativa de como até mesmo cidadãos acima de qualquer suspeita podem estar contaminados pelo vírus dessa doença maligna, que destrói todos os laços morais e éticos que são o alicerce para qualquer vida em comum sadia.
A mais recente matéria da série, que envolve nada menos que o presidente da República Federal da Alemanha, Christian Wulff, que esteve recentemente no Brasil, vai a seguir na íntegra, para abalar a crença dos que creem que só aqui nesta terra quente e vasta os "malfeitos" proliferam:
Presidente alemão sob pressão por tentar impedir publicação de denúncia
Há 20 dias enfrentando denúncias de favorecimento ilícito, o presidente da Alemanha, Christian Wulff, agora é acusado de tentar coibir a liberdade de imprensa. Nesta segunda-feira (2/1) o jornal Bild, de maior circulação no país, confirmou que Wulff deixou uma mensagem de voz na caixa eletrônica do celular de seu editor-chefe, Kai Diekmann, ameaçando cortar relações com o periódico, sobre o qual recairiam "ações legais" caso decidisse publicar detalhes sobre um empréstimo recebido de um amigo empresário.
A informação sobre o "recado" de Wulff ao Bild havia sido divulgada no fim de semana por dois grandes jornais alemães – o Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung e o Süddeutsche Zeitung. "O presidente mostrou-se indignado com a apuração sobre o crédito imobiliário e ameaçou o jornalista responsável, entre outras coisas, com consequências judiciais", publicou o periódico, destacando ainda que Wulff teria dito que o jornal foi longe demais, ultrapassando 'os limites'".
Ainda segundo o jornal, o chefe de Estado da Alemanha teria tentado a intervenção do presidente do conselho da editora Axel Springer, grupo ao qual pertence o Bild, Mathias Döpfner. No entanto, Döpfner teria dito objetivamente que a editora não intervém no conteúdo do periódico.
A mensagem no celular de Diekmann teria sido gravada no dia 12 de dezembro, quando Wulff fazia uma visita oficial ao Golfo Pérsico. Dois dias mais tarde, em conversa com o jornalista, o presidente teria lamentado o tom da mensagem. Na edição de 13 de dezembro, o Bild havia publicado que Wulff omitiu um empréstimo no valor de 500 mil euros recebido em 2008 da esposa do amigo e empresário Egon Geerkens.
Wulff não se manifestou sobre as acusações de ameaça a Diekmann. Ele ainda tenta justificar o empréstimo para a compra de sua casa quando ainda era governador do estado da Baixa Saxônia. Wulff também ainda não respondeu às acusações de que teria sido favorecido por um banco do estado de Baden-Württemberg, que lhe concedeu um empréstimo a juros mais baixos do que os de mercado para pagar o financiamento recebido de Geerkens. Até agora, o gabinete presidencial limitou-se apenas a garantir que Christian Wulff "valoriza a liberdade de imprensa" e que não comenta mensagens ou conversas particulares feitas pelo presidente por telefone.
Com os novos desdobramentos, aumenta a pressão política sobre Wulff. O partido Social-Democrata (SPD), da oposição, exige esclarecimentos da parte do presidente alemão. A tentativa de esconder informações desfavoráveis é "indigna" ao cargo, disse o vice-líder da bancada no Parlamento, Hubertus Heil. "Isso tudo não é bom, e o prejudica como pessoa e também a Presidência", criticou a secretária executiva dos verdes, Steffi Lemke.
A Associação de Jornalistas da Alemanha mostrou-se indignada com as acusações de ameaça ao Bild. Para o presidente da entidade, Michael Konken, personalidades públicas precisam aceitar que a publicação de informações desfavoráveis a elas faz parte da liberdade de opinião. Já o Conselho de Imprensa alemão classificou o caso Wulff como "inquietante".
Os principais jornais alemães dão destaque ao tema. O Süddeutsche Zeitung ressaltou que, apesar de o poder de um presidente ser limitado, sua autoridade e credibilidade advêm de seus atos e falas. "Um homem que prega a liberdade de imprensa, mas não a respeita, é um falso presidente". Para o Financial Times Deutschland, um presidente "não precisaria deixar o cargo apenas por ter ocultado a verdade na Assembleia estadual da Baixo Saxônia, ou por ter tirado férias na casa de um amigo empresário, nem mesmo por ter recebido empréstimo imobiliário a juros especialmente baixos". A renúncia também não seria necessária, segundo o jornal, "apenas por suas explicações 'a conta-gotas' sobre as acusações que enfrenta, ou por ter ligado para o editor-chefe do Bild. No entanto, quando se juntam todos os fatos, acaba sendo muito. Sua credibilidade foi afetada pelas escorregadas que deu. Um homem que carrega consigo tudo isso não pode continuar presidente da Alemanha".
"Foi muito bobo da parte dele deixar ameaças na caixa eletrônica do celular do editor-chefe para evitar a publicação de informações sobre seu nefasto empréstimo. Isso seria até perdoável. Mas a ameaça em si, a tentativa de impedir o trabalho de um jornal por meio de pressão, isso é indesculpável", escreve o jornal Frankfurter Rundschau.
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