terça-feira, 15 de novembro de 2011

UPP não é panaceia


A ocupação das favelas do Rio dominadas pelo tráfico é um fato positivo, mas para especialistas, não resolve todos os problemas. Segundo reportagem da Agência Brasil, a ideia de que a ação da polícia deve acabar com a violência é fantasiosa e produz um efeito nocivo de mascarar a realidade da cidade.
Na opinião de Marcelo Burgos, professor e coordenador da área de sociologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, as ocupações são um “avanço” no domínio territorial, mas têm limitações. “Um diagnóstico mais realista não significa desaprovação à UPP [Unidade de Polícia Pacificadora], mas, sim, colocar essa política no plano em que ela realmente precisa estar. Tem que se deixar claro que a UPP é um avanço, mas tem suas limitações”, disse.
As ocupações de favelas por forças de segurança pública, como a que ocorreu na Rocinha, domingo, e nas 13 favelas que formam o Complexo do Alemão, na zona norte da cidade, no início do ano, fazem parte da estratégia do governo de dominar os territórios do tráfico. No entanto, esbarram na impossibilidade de se ter uma política universalizada de segurança e que produza efeitos a logo prazo, ressalta Burgos.
De acordo com ele, esse diagnóstico sobre a função das UPPs é importante para que não se ignore os demais fatores geradores de violência. “Por ter um caráter focado no território, elas desconsideram o aumento do conflito e da brutalidade em outros pontos da cidade, como a Zona Oeste, e da região metropolitana, como Baixada Fluminense.” Além disso, acrescentou, a migração de traficantes é desconsiderada. “O que vemos são ocupações em determinadas áreas e pessoas sendo atingidas por balas perdidas e morrendo, no mesmo dia, em outras comunidades.”
Burgos compara a UPP a uma imobilização para curar uma fratura, um “gesso” que terá que produzir transformações nas comunidades ocupadas em determinado tempo . “A UPP é como gesso. Durante um determinado tempo, esse policiamento ostensivo assegura um ambiente mais pacífico. Mas se esse processo de ocupação não ocorrer, significará a desmoralização das UPPs. É preciso ter consciência de seu caráter emergencial.”
Para Michel Misse, professor de sociologia e antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ, essas modificações precisam significar ganhos sociais para a população. Caso contrário, enfatiza, não haverá mudança no quadro de violência do Rio de Janeiro. “Essas áreas precisam ser integradas à cidade como bairros. Para isso, é necessário abrir avenidas. Isso leva à necessidade de se fazer desapropriações e de se pagar indenizações corretas para os moradores que serão obrigados a sair de suas casas.”
Misse se mostrou cético em relação à disposição do governo em ampliar esses ganhos. “Pelo que o governo tem feito em relação às famílias desapropriadas nas aberturas de avenidas para obras de mobilidade urbana, com vistas à Copa do Mundo e à Olimpíada, não tenho visto disposição em fazer isso. São desapropriações malfeitas que têm gerado conflitos. O governo não paga um valor justo para realocar essas famílias. Em algumas áreas isso tem gerado conflito.”
Ele também destaca a necessidade de políticas de formação para jovens moradores das favelas. “Além de entrar com policiais, é preciso ter políticas profissionalizantes para jovens, como as que já existem em determinadas comunidades, tocados pelo governo ou mesmo por organizações não governamentais”.
 A retomada do Estado sobre o território das favelas do Rio de Janeiro depende do grau de associativismo das comunidades, indicam esses especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Segundo eles, dependendo da mobilização social dos grupos, a transformação social das comunidades ocorrerá de forma diferenciada.
Na opinião de Michel Misse, quanto maior o grau de mobilização social nas comunidades, maiores as chances de que as transformações sociais ocorram. “Em comunidades onde já existiam alto grau de associativismo, a interação com a ocupação é diferente. A polícia acaba tendo que conversar mais com a associação de moradores. O ineditismo das ações está principalmente no fato da polícia permanecer nas comunidades após a ocupação. Antes, a polícia fazia essas incursões, militarizadas em algumas vezes, e depois, ia embora. Agora, a polícia tem ocupado e permanecido. Não com meia dúzia de policiais e sim com 300 e 400 homens.”
Segundo o professor, “existem áreas em que o tráfico continua, inclusive com o pagamento de propina. Em outras áreas, policiais mais conservadores tentam estabelecer um certo controle moral sobre a população, o que acaba tendo um efeito nocivo, principalmente sobre os jovens. Um exemplo é que em algumas comunidades, houve tentativa de proibição de bailes, condenação de determinados comportamentos”.
Para Marcelo Burgos, esse grau de associativismo pode ser um ponto a favor para que transformações ocorram na comunidade da Rocinha e do Vidigal. “Até podemos imaginar que na Rocinha pode ser diferente, pelo volume de coisas que já acontece por lá, pelo grau de interação da comunidade com a zona sul da cidade". Burgos coordena um grupo de trabalho com seis escolas de ensino fundamental na Gávea, bairro da zona sul, que atendem 6,5 mil alunos, maior parte moradores da Rocinha. “Acho que a partir de agora, esse trabalho realizado pela universidade poderá ser incrementado”.

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