segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O fracasso neoliberal


O rebaixamento da dívida americana pela agência de rating Standard&Poors, na sexta-feira, detonou o estopim que pode levar a economia mundial mais perto de um grande trauma já na abertura das bolsas de valores nesta segunda-feira. Transcorridas nem ao menos três semanas desde o encontro entre chefes de governo e de Estado dos 17 países da Zona do Euro, em Bruxelas, lideres dos maiores países do planeta passaram o fim de semana trocando telefonemas para encontrar uma forma de apaziguar essa entidade chamada de "mercado". Isso porque as medidas determinadas durante a cúpula na capital belga, que visam o resgate das economias de países em dificuldades, nem ao menos foram implementadas.
Os ministros das Finanças do Grupo dos 20, que reúne os mais importantes países industrializados e emergentes, inclusive o Brasil, debateram a respeito da situação delicada. No âmbito do G-7, cogita-se uma antecipação do encontro de ministros das Finanças dos sete países mais ricos do mundo, agendado originariamente para meados de setembro.
Mais uma vez, os países da Zona do Euro depositam suas esperanças no Banco Central Europeu (BCE), instituição vista como única capaz de, no momento, acalmar os mercados financeiros, pelo menos na Europa. A compra de títulos públicos italianos poderia ser um sinal ao mercado de que a zona do euro garante os investimentos em seu território.
Um representante do BCE afirma que o presidente do banco, Jean-Claude Trichet, "pleiteia uma decisão do conselho em prol da compra de títulos italianos". Caso essa medida extremamente controversa seja realmente tomada, é possível que o BCE ou outros bancos centrais da Zona do Euro já comecem a comprar esses títulos nesta segunda-feira. O governo italiano já deu a entender que a compra de seus títulos públicos pelo BCE seria de grande ajuda para o país.
Segundo informações divulgadas pelo semanário "Spiegel", aumentam na Alemanha as suspeitas de que a economia italiana, devido a seu peso, não poderá ser salva pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), nem se ele fosse triplicado. O fundo, apontam os especialistas, foi criado para resgatar economias de países pequenos até médios, mas não da dimensão da Itália. Berlim insiste que Roma deveria tomar as devidas providências, como corte de gastos e reformas, a fim de sair da crise graças a medidas próprias.
O premiê italiano, Silvio Berlusconi, anunciou há pouco uma implementação mais rápida do pacote de redução de gastos, a fim de que o país possa apresentar um orçamento equilibrado já em 2013 e não somente em 2014, como planejado. Segundo Berlusconi, uma reforma do sistema de ajuda social deverá reduzir os gastos públicos em aproximadamente 20 bilhões de euros.
O nervosismo dos mercados financeiros vem sendo provocado pela crise da dívida pública nos EUA e na Europa. A chanceler federal alemã, Angela Mekel, falou pelo telefone na sexta-feira, durante suas férias, com outros importantes chefes de governo de países europeus e com o presidente americano, Barack Obama. Merkel e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, definiram juntos que não iriam dar declarações a respeito da crise, pelo menos por enquanto.
E assim caminha a humanidade, regida por lideranças medíocres, que são incapazes de reconhecer o fracasso da ideologia neoliberal que vêm seguindo ao longo dos anos com tanta tenacidade.


O diagnóstico de Maria da Conceição Tavares
A respeito dessa crise que se arrasta já há anos, a economista Maria da Conceição Tavares deu interessante - como sempre - entrevista à Carta Maior. Vale a pena ver o que ela pensa sobre o assunto:
Carta Maior - Há uma superposição de colapso do neoliberalismo com esfarelamento político que realimenta e reproduz o processo?
Maria da Conceição Tavares - Veja, é um colapso empírico da agenda do neoliberalismo. Avulta que a coisa é um desastre e os meus colegas economistas dessa cepa, espero, devem estar conscientes disso. Mas que poder tem os economistas? Nenhum. O poder que conta está nas em outras mãos, a dos responsáveis pela crise. Vivemos um colapso neoliberal sob o tacão dos ultra-neoliberais. Não estamos falando de gente normal, é preciso entender isso. Não são neoliberais comuns. Meu Deus, o que é isso que estão fazendo nos EUA? É a treva! Vivemos um colapso do neoliberalismo sob o tacão dos ultra-neoliberais: isso é a treva! E ela se espalha desagregando, corroendo.
CM—Devemos nos preparar para uma crise longa?
MCT—Sem dúvida. Por conta dessa dimensão autofágica que não enseja um desdobramento político à altura, que inaugure um novo ciclo, como foi com Roosevelt e o New Deal em 29.
CM—As bases sociais do New Deal não existem mais nos EUA?
MCT - Não existem mais. Obama é o reflexo disso. É uma liderança intrinsecamente frouxa. Não tem a impulsão trabalhista e progressista que sustentou o New Deal. É frouxo. Seu eleitorado é difuso ah, ótimo, ele se comunica com os eleitores pelo twitter, etc. E aí? É uma força difusa, desorganizada, estruturalmente à margem do poder. Está fora do poder efetivo no Congresso que é da direita, dos ricos, dos grandes bancos e grandes corporações, como vimos agora no desenho do pacote fiscal. Está fora da indústria também que foi para a China. Esse limbo estrutural é o Obama. Ele pode até ser reeleito, tomara que seja. A alternativa é amedrontadora. Mas isso não mudará a sua natureza frouxa.
CM— Se não existe o componente político que assemelhe essa crise a de 1929, então o que é isso, essa’ treva’ que estamos vivendo?
MCT— (ri) Uma treva é uma treva... O que passamos agora é distinto de tudo o que se viu em 29...Todavia não menos grave e talvez mais angustiante. É um colapso enrustido, como eu disse. Arrastado, latejante, sob o tacão de forças como essas dos ultra-neoliberais. Tampouco é um fascismo explícito, porém, como se viu na Europa, em 30. Até porque o nazismo, por exemplo, e isso não abona em nada aquela catástrofe genocida, postulava o crescimento com forte indução estatal. O que se tem hoje é o horror; um vazio político de onde emergem essas criaturas dos EUA, e coisas assemelhadas na Europa. Será uma crise longa, penosa, desagragdora, mais próxima da Depressão do final do século XIX...
CM- O declínio de um império, como foi o declínio do poder da Inglaterra no final século XIX?
MCT—Sim, é um quadro mais próximo daquele. O poder inglês foi sendo contrastado por nações com industrialização mais moderna. Um arranjo com estrutura de integração superior entre a indústria e o capital financeiro e que aos poucos ultrapassaria a hegemonia inglesa. Foi uma quebra, uma inflexão entre o capitalismo concorrencial e o capitalismo monopolista. A Inglaterra que havia sido a ‘fábrica do mundo’ perdeu o posto para o agigantamento fabril americano e alemão. Isso se arrastou por décadas. Foi uma Depressão, a primeira Depressão que tivemos no capitalismo (durou de 1873 a 1918). Levou à Primeira Guerra, que resultou na Segunda...
CM—Os EUA são a Inglaterra da nossa longa crise... 
MCT - As forças que se articularam na sociedade norte-americana, basicamente forças conservadoras, de um reacionarismo profundo, não em condições de produzir uma nova hegemonia propositiva. Claro, eles tem as armas de guerra. Não é pouco, como temos visto. Vão se impor assim por mais tempo. Mas daí não sai um novo hegemon. Vamos caminhar para um poder multilateral, negociado, sujeito a contrapesos que nos livrarão de coisas desse tipo, como a ascendência do Tea Party nos EUA. Uma minoria que irradia a treva para o mundo.
(Com informações da Deutsche Welle)

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