Hermeto: "A nota que eu gosto é a musical" (Wilson Dias/ABr)
O bom exemplo vem de quem menos se espera. Aos 75 anos recém-feitos, o genial Hermeto Pascoal, que diz que sua missão na vida é “compor a música livre de adjetivos”, liberou toda a sua obra para quem quiser tocá-la ou simplesmente ouví-la. “Meu desejo é, a cada novo dia, fazer mais músicas. Acho que sempre vão faltar coisas para eu fazer, mas não abro mão da qualidade.”
Assim, o grande músico acabou por se associar, mesmo sem muita consciência, ao movimento denominado Cultura Livre, que prega formas de democratizar o acesso à informação e à cultura, furando o bloqueio dos veículos de comunicação de massa a tudo que não seja considerado “rentável” e subvertendo a lógica comercial de gravadoras e rádios.
Em 2009, dez anos após causar polêmica ao declarar em uma entrevista que queria ser “pirateado” para que, assim, sua obra fosse mais bem divulgada no país, Hermeto começou a liberar, para gravações, os direitos sobre 614 músicas já registradas em discos ou CDs. A declaração de licenciamento, hoje disponível no site oficial do artista, é reveladora quanto ao espírito livre do músico: um bilhete escrito a mão e pintado pelo próprio Hermeto, que termina com um “aproveitem bastante”, endereçado aos “músicos do Brasil e do mundo”.
“Minha música é de quem a quer. A ideia é liberar os direitos autorais para dar a quem se interessar a chance de tocar minha obra”, disse o músico, ao ser perguntado sobre o que o levou a tomar tal decisão, estimulado por Aline Morena, a música gaúcha de 32 anos com quem Hermeto vive há dez anos e com quem mantém o duo Chimarrão com Rapadura.
De acordo com Aline, porém, nem tudo é tão simples, pois algumas empresas não têm aceitado o singelo documento disponibilizado por Hermeto. “Elas estão exigindo uma autorização burocrática, específica para cada músico. Queríamos desburocratizar as coisas com um modelo geral de autorização disponível no site, mas cada vez que um músico quer gravar algo, temos que enviar uma autorização específica." Com isso, quem quer regravar uma música e procura a gravadora acaba tendo de pagar pela cessão do direito, enquanto quem recorre diretamente ao artista recebe a permissão de graça.
O argumento para que Hermeto tenha tomado tal decisão é singelo: "Se as gravadoras não levam meu trabalho para as rádios, se ele não toca em nenhum lugar, para que eu faço música? Não tive e nem vou ter nenhum retorno financeiro por minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua sendo tocar. Por isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero mais é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E, pra mim, quem reclama da pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as notas [de dinheiro]. São as notas musicais.”
Segundo Aline, menos de 300 das mais de 4 mil composições de Hermeto já foram gravadas. Da obra total, 700 já estão à disposição de quem queira. São as 366 cujas partituras foram incluídas no livro Calendário do Som e cerca de outras 300 de sua discografia.
Além dessas, o pianista e arranjador Jovino Santos Neto digitalizou a partitura de 41 obras inéditas e as disponibilizou no site de Hermeto. A proposta é de que músicos do mundo todo que queiram homenagear o alagoano toquem uma música de sua escolha. "Pessoas do mundo inteiro deram retorno. Rádios da Alemanha, gente de todas as partes mandou e-mail", contou Aline. “E vamos soltar mais coisas. Além do que, continuo compondo”, completou Hermeto. (Da Agência Brasil)
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