A partir de agora, pessoas que cometerem crimes leves, punidos com menos de quatro anos de prisão, e que nunca foram condenadas por outro delito só serão presas em último caso. É o que prevê a Lei nº 12.403/2011, que altera 32 artigos do Código de Processo Penal. Anteriormente, quem se enquadrava nesses casos ou era encaminhado à prisão, caso o juiz entendesse que a pessoa poderia oferecer riscos à sociedade ao longo do andamento do processo, ou era solto.
Com as alterações, nove possibilidades entram em vigor – o pagamento de fiança, que poderá ser estipulada pelo delegado de polícia e não apenas pelo juiz; o monitoramento eletrônico; o recolhimento domiciliar no período noturno; a proibição de viajar, frequentar alguns lugares e de ter contato com determinadas pessoas; e a suspensão do exercício de função pública ou da atividade econômica.
De acordo com a nova lei, a prisão preventiva só poderá ser decretada quando a pessoa já tiver sido condenada; em casos de violência doméstica; e quando houver dúvida sobre a identidade do acusado. As medidas alternativas, entretanto, podem ser suspensas e a prisão decretada se houver descumprimento da pena. O texto determina ainda que se a soma das penas ultrapassar quatro anos, cabe a prisão preventiva.
A legislação brasileira considera leves crimes como o furto simples, porte ilegal de armas e homicídio culposo no trânsito (quando não há intenção de matar), além da formaçãode quadrilha, apropriação indevida, do dano a bem público, contrabando, cárcere privado, da coação de testemunha durante andamento de processo e do falso testemunho, entre outros.
A nova Lei da Prisão Preventiva deve resultar na liberação de milhares de presos que ainda não foram julgados. A população carcerária do país, atalmente, é de cerca de 496 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Justiça. Em 37% dos casos – 183 mil presos – ainda não houve julgamento.
A chegada da nova lei que substitui a prisão preventiva por medidas cautelares, no caso de crimes leves, obrigará o Estado a investir em outras formas de controle para garantir que as determinações serão devidamente cumpridas. Especialistas acreditam que ainda há despreparo em alguns pontos, como o monitoramento eletrônico. Entretanto, a expectativa é que os novos métodos se mostrem mais economicos e eficazes a médio prazo.
De acordo com o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Nunes, a vantagem das medidas cautelares é a facilidade de perceber quando algo foi descumprido. “No caso do monitoramento eletrônico, o acusado pode até tirar [o aparelho], mas aí você vai saber que ele descumpriu. O pior é você pensar que ele está candidamente fazendo suas obrigações enquanto faz novos delitos”, alerta.
Para o procurador Eugênio Pacelli, do Ministério Público Federal no Distrito Federal, o Estado tem que investir no monitoramento eletronônico porque, além de eficaz, a medida se mostra mais barata que manter a pessoa presa. Ele também lembra que há medidas em que a verificação do cumprimento das obrigações não implica gastos. “Uma das medidas determina que a pessoa é obrigada a comparecer mensalmente em juizo. A fiscalização é que, se o cara não aparecer, ele fez a falta. Tem uma cautelar em que é proibir manter contato e, se ele mantiver contato, o outro avisa e fica registrado o não cumprimento.”
A questão da economia proporcionada pelas novas medidas cautelrares também é lembrada pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira. "Hoje, a prisão custa em torno de R$ 1,8 mil por mês ao Estado. Entre as nove medidas propostas, a mais cara, que é o monitoramento eletrônico, tem custo entre R$ 600 e R$ 800. Essas medidas são muito mais em conta”, diz.
Para o criminalista Pierpaolo Bottini, ex-secretário da Reforma do Judiciário no governo Lula, o controle não impedirá que acusados liberados cometam delitos graves, mas isso é algo impossível de ser controlado. “É bem provável que uma ou duas das pessoas sejam soltas e cometam um delito grave. A gente não tem como assegurar o que vai acontecer, mas isso faz parte do processo. Todo mundo que acaba de cumprir pena vai ser solto e pode cometer algum crime.”
Bottini também refuta as críticas de que a lei foi apoiada pelo governo apenas para aliviar a superlotação carcerária. “Esse é um projeto que veio do governo Fernando Henrique, foi encampado por Lula e agora por Dilma, é um projeto suprapartidário. Se uma das consequêcias é desencarcerar, é, mas é uma vantagem do processo, não é uma crítica. Ela é uma consequência, não é a causa do projeto.”
A população carcerária do país, hoje, está em torno de 496 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Justiça. Em 37% dos casos – ou seja, para 183 mil presos – ainda não houve julgamento e não se pode garantir que sejam culpados. “Quer dizer que esses presos provisórios vão ser soltos na segunda-feira? Não. O que a lei diz é que o advogado pode alegar a aplicação de medidas cautelares para o preso. A regra é: o processo você sempre aguarda em liberdade”, explica o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira
De acordo com o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Nunes, a lei não vai gerar sensação de impunidade. “Não se pode dizer que a lei vai trazer impunidade, porque prisão preventiva não é para punir. É uma medida excepcional, aplicada antes de uma pessoa ser considerada culpada”.
De acordo com Nunes, hoje é mais benéfico ser condenado por um crime leve do que existir a suspeita de que ele foi cometido. “Desde a Constituição de 1988, uma pessoa condenada a menos de quatro anos dificilmente ficará presa. Serão aplicadas outras medidas restritivas de direitos e o regime aberto”, explica.
O procurador Eugênio Pacelli, que foi relator da comissão responsável pelo projeto de lei do novo Código de Processo Penal, no entanto, teme que a liberação dos acusados cause sensação de insegurança na sociedade. Entretanto, ele acredita que mais inseguro ainda é deixar essas pessoas presas, convivendo com criminosos experientes.
“Há uma ilusão na sociedade: as pessoas acham que a prisão garante o sossego e a segurança de todo mundo, mas, muitas vezes, a prisão é que produz o próximo problema. Você colocar uma pessoa que não tem histórico nenhum presa é algo muito complicado, pois a prisão é um ambiente de violência, e isso afeta as pessoas”, diz Pacelli. O procurador lembra que, com a nova lei, não haverá alteração no tratamento de crimes mais graves, como homicídio ou estupro.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), a lei veio a corrigir uma generalização da prisão preventiva. Ele ressalta que hoje, em vez de se apurar primeiro para, depois, prender, já com culpa formada, passou-se para um "campo de justiçamento", em que se prende de forma generalizada. "Daí a superlotação das penitenciárias e das cadeias públicas", diz.
Ele também acredita que a nova lei ajudará a evitar que inocentes fiquem presos indevidamente. “Liberdade não é algo que é passível de devolução. Se houve uma prisão indevida, vamos responsabilizar o Estado?”, pergunta. (Agência Brasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário