segunda-feira, 6 de junho de 2011

Textos truncados


Muito já se escreveu sobre o empobrecimento dos textos jornalísticos. Hoje, parece que escrever é a tarefa menos importante do ofício do jornalista. Basta que ele consiga alinhavar uma série de frases curtas, dominar um vocabulário de duas centenas de palavras e soltar, de tempo em tempo, alguns chavões, para que o "texto" esteja pronto para ser oferecido ao distinto público.
Se esse processo de pauperização da língua portuguesa já parecia irremediável nos jornais e revistas, depois de ser rapidamente absorvido pelo rádio e televisão, foi com a chegada da internet que o caldo entornou de vez.
Pressionados pela necessidade de pôr no ar as notícias o mais rapidamente possível, os editores simplesmente abandonaram os seus deveres básicos - e o resultado é esse festival de besteiras que os portais mais importantes, sem exceção, oferecem aos leitores.
Nada escapa. O massacre linguístico atinge desde a mais desimportante nota sobre um obscuro ex-BBB qualquer até notícias sobre macroeconomia, passando, é claro, pelo escândalo político do dia.
O espancamento não se restringe apenas à gramática ou à ortografia. A própria lógica acaba recebendo as suas bordoadas e sobrevive - quando sobrevive - remendada, fatiada e bastante machucada.
E para quem acha que estou sendo duro demais com os prezados coleguinhas que cometem tais barbaridades, ofereço como exemplo um pequeno texto publicado pela Folha Online, este ícone da internet brasileira. É uma notícia sobre o jogo Palmeiras e Atlético Paranaense, ontem à noite, que foi colocado no ar minutos depois de terminada a peleja. Os textos em negrito são meus, simples observações sobre a obra, que deveriam ter sido feitas pelo editor, antes antes que a tragédia se consumasse:

Mesmo fora de casa, o Atlético-PR tentou pressionar o Palmeiras nos primeiros minutos. A equipe paranaense não havia somado nenhum ponto nas duas rodadas anteriores.
Porém, a tentativa não durou nem cinco minutos. O clube alviverde, através das faltas batidas por Marcos Assunção e das jogadas pelas laterais, começou a dominar a partida, mas a falta de criatividade atrapalhava as pretensões paulistas. (É muita falta para um só período)
No lance de maior lucidez do ataque palmeirense, o atacante Kleber fez uma jogada individual (se ele é um só, pode apenas fazer uma jogada individual) pela esquerda e a bola sobrou (como assim, "sobrou"? A bola escapou dele?) para Gabriel Silva, dentro da área. Livre, o lateral chutou por cima do gol de Márcio.
Em outra jogada do atleta, ele invadiu a área, sofreu a carga (O que será que isso significa?), caiu e pediu pênalti (Mas foi ou não foi pênalti? Ou é o leitor quem decide?). O árbitro Péricles Bassols nada marcou.
O Atlético-PR tentava o contra-ataque, mas não teve competência para explorá-lo.
A primeira etapa, truncada (O que houve para ela ser truncada? Acabou a luz, torcedores invadiram o campo? Ou será que o redator quis dizer, por meio de seu texto truncado, que o jogo teve muitas faltas?), acabou com o marcador zerado ("Zerado", segundo o Aulete, significa "que se reduziu a zero"; "liquidado"; "saldado". O que houve, de fato, é que o placar não saiu do zero a zero inicial).
Na segunda etapa, o jogo continuou na mesma toada. Faltoso e pouco criativo.
Em uma das faltas, Rômulo, lateral direito do Atlético-PR, recebeu o segundo amarelo e foi expulso, aos 12min.
O Palmeiras não conseguia aproveitar a vantagem numérica de jogadores e continuava apelando para as bolas paradas de Marcos Assunção. ("Bolas paradas", no jargão de nossa imprensa esportiva quer dizer cobrança de falta ou escanteio. Como é o árbitro quem marca tais ocorrências, seria impossível para o Palmeiras "apelar" para as tais "bolas paradas". O time apenas cumpria a determinação do árbitro - e cobrava as faltas ou escanteios)
Aos 29min, ele cobrou um escanteio na primeira trave (A bola bateu na trave mais próxima de onde o escanteio foi cobrado, é isso o que está escrito). O volante Chico desviou de cabeça (Mas a bola não havia batido na trave?) e não deu chances de defesa para Marcio. Palmeiras 1 a 0. (Foi gol? Mas o escanteio não havia sido cobrado na "primeira trave"?)
No restante da partida, o Palmeiras tentava ampliar, mas esbarrava nas finalizações precárias. (O Aulete define "precária" como "rogo", "serviço que se pede". E "precário" como "que é pouco", "escasso"; "que não é estável"; "que é frágil, débil"; "que se encontra em más condições"; "que não tem sustentação". O redator talvez quisesse ter escrito "finalizações imprecisas", mas isso é apenas uma suposição).


É um texto notável, exemplar mesmo. Tão pequeno, carrega todos os pecados que deveriam ser combatidos no trabalho do dia a dia da nossa imprensa: imprecisão, preguiça, descuido com a linguagem, uso de chavões...
Mas no fundo, quem, além de uns poucos ranzinzas profissionais, se preocupa com isso?

Um comentário:

  1. É a velha máxima: "Quem não lê, não escreve"......Nossos estudantes não lêem, não há como construir um bom texto, algo coerente, inteligível.

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