terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Era um luxo só...
Uma excelente matéria de Paulo Sampaio no Estadão mostra a outrora faraônica Villa Daslu nas vascas da agonia.
É de dar dó.
Espaços vazios, um andar inteiro fechado, funcionários e clientes desolados. A dona, Eliana Tranchesi, condenada, em primeira instância, por fraude em importação, formação de quadrilha e falsidade ideológica, a 94,5 anos de prisão, tem esperança de ver o empreendimento, sob recuperação judicial, reviver, embora deva R$ 500 milhões ao Fisco e R$ 80 milhões aos fornecedores: "Eu vou voltar com a Daslu que todo mundo ama", disse ao jornal.
A Daslu, com seu luxo brega, suas dezenas de grifes importadas, seus preços astronômicos, sua clientela "classe AA" é o exemplo mais que acabado de um Brasil que não deu certo, um país sem identidade própria, que vivia a macaquear os modismos e os hábitos da matriz - ele apenas uma pobre colônia cuja elite econômica se bastava no consumo de badulaques estrangeiros feitos para deslumbrar néscios.
E além dessa aparência exterior suntuosa, a butique abrigava em suas entranhas um amplo esquema de sonegação fiscal, que possibilitava lucros enormes aos seus donos.
Nada mais icônico que isso para representar essa classe social e política que prega o Estado mínimo, o imposto mínimo, os deveres mínimos - e o lucro máximo.
A Daslu foi isso: um parque de diversões para novos ricos deslumbrados e madames permanentemente entediadas; um cartão postal exageradamente kitsch de uma metrópole enganadoramente cosmopolita; e um prato cheio para os agentes da Polícia Federal.
E nem destaquei o fato de o seu prédio estar às margens sempre fétidas daquele asqueroso rio Pinheiros, nem que, em sua inauguração, as atenções terem sido divididas entre as elegantes socialites e os andrajosos moradores de uma favela ao lado.
Coisas da vida...
O texto completo da reportagem do Estadão está reproduzido abaixo na íntegra. É um documento e tanto a respeito não só de uma empresa, mas de uma época:
Os últimos suspiros do maior templo de luxo do Brasil
Paulo Sampaio
Este talvez seja o último crostini que a empresária Cibele Baccaro, de 44 anos, come na pâtisserie Pati Piva da Villa Daslu. Ela conta que tem aproveitado ao máximo os derradeiros momentos da butique multimarcas, antes do desmonte completo das salas que um dia abrigaram as grifes mais luxuosas do mundo em um portentoso prédio neoclássico na Marginal Pinheiros, em São Paulo.
Ao mesmo tempo, a empresária Eliana Tranchesi aguarda um desfecho para a sua grife. Na próxima semana, a Daslu fará assembleia com 200 credores para aprovar a entrada de investidores na empresa por meio de um leilão. Em recuperação judicial desde o ano passado e com um dívida estimada em R$ 80 milhões, a empresa pode passar para as mãos de um novo grupo. Embora saiba que não tem nenhum poder sobre a decisão da Justiça, Eliana acredita que vai surpreender. "Eu vou voltar com a Daslu que todo mundo ama", disse a empresária ao Estado.
A Daslu começou a micar cerca de 40 dias depois da inauguração da butique, em 2005, quando Eliana recebeu uma visita surpresa da Polícia Federal - que resultou na sua prisão. Acusada de fraude em importação, formação de quadrilha e falsidade ideológica, Eliana foi condenada a 94,5 anos de prisão - a decisão cabe recurso. A dívida fiscal, que não é afetada pela recuperação, supera R$ 500 milhões.
Concebida para vender de bolsa Chanel a helicóptero, a Villa Daslu está com os dias contados. No fim de janeiro, o segundo andar, onde ficava o setor masculino, foi transferido para o térreo; o terceiro, o quarto e o quinto já tinham sido. As (poucas) marcas importadas que não se retiraram desde 2005, também. "Quando você vê esse ar de abandono, dá uma tristeza.", diz Cibele, acompanhada de amigas. "Nunca sei o que vou encontrar da próxima vez. Desde a última, sumiram umas dez lojas. É uma pena."
Por enquanto, está decidido que a butique se mudará para o JK Iguatemi (no prédio vizinho) em setembro, quando está prevista a inauguração. Ocupará um espaço bem mais modesto. No mesmo mês, Eliana também quer abrir uma loja de 800 metros quadrados no Rio. Enquanto setembro não vem, as solitárias mesas da pâtisserie Pati Piva estão cercadas por corredores sombrios que dão em lojas desativadas ou escadas interditadas. O elevador não para mais no segundo piso. No hall de distribuição inteiramente desocupado do terceiro, um monitor acima da lareira permanece ligado, transmitindo imagens de desfiles da Daslu, mesmo não havendo ninguém para assistir.
"Órfãs". Cibele e suas amigas dizem se sentir um pouco "órfãs". "É como se a gente tivesse perdido alguém muito querido, sabe?", explicam. "Esse lugar era o máximo, a decoração, o atendimento, a variedade de tudo o que você puder imaginar, as grifes todas em um só lugar, onde mais você encontra isso no mundo?".
A lástima das órfãs saudosistas é reforçada pelo aspecto fantasmagórico das salas antes ocupadas por Chanel, Dior, Prada e Salvatore Ferragamo, que estavam entre as grifes estrangeiras de luxo que o espaço abrigava na inauguração. Ali, agora, há tapetes enrolados no chão, marcas de móveis nas paredes e manequins empilhados pelos cantos. Funcionários carregam restos de armários e araras.
Desde a inauguração da Villa Daslu, em 2005, tudo o que se divulgou da megabutique tinha dimensões faraônicas. O custo do empreendimento de 20 mil metros quadrados, onde trabalhavam 700 empregados, foi estimado em R$ 100 milhões. Só de modelos de sapatos, nos primeiros tempos, havia 3.500; escadas rolantes, 12.
O marketing da exclusividade foi levado às raias do absurdo. O acesso era propositalmente dificultado para evitar o ingresso de "gente de passagem", ou a pé. Apesar do número de grifes de luxo, cerca de 300 (contando as nacionais), deixava-se claro que aquilo não era um ponto de fluxo, mas de venda. "Em um lugar como a Daslu, você não mede o sucesso pelo número de pessoas que está na loja. Aliás, é até melhor não ter muita gente, porque você pode dar mais atenção à cliente que compra, fazer um vínculo com ela, fidelizá-la", diz a ex-vendedora (ou dasluzete) Clel Marques do Valle, de 52 anos, que trabalhou na butique por 10 anos.
Sua teoria explica um pouco por que, apesar de ter uma frequência diária de cerca de 800 pessoas - contra 48 mil do Shopping Iguatemi, por exemplo -, o tíquete médio é tão alto: R$ 800. "A grande maioria dos frequentadores da Daslu é "heavy user" (vai muito e compra sempre)" diz o consultor José Carlos Aguilera, da Galeazzi & Associados, uma das empresas contratadas para socorrer a Daslu nos últimos anos.
Cliente fiel. A relação com a cliente fiel era tão direta que, em suas viagens de compras, nos showrooms das grifes internacionais, Eliana e sua sócia, Donata Meirelles, faziam os pedidos já pensando nos "heavy users". Costumavam anotar em seu caderninho, por exemplo: vestidos Hebe Camargo; bolsas Safra; longos Luciana Gimenez; tailleurs Bia Dória.
O estacionamento custava R$ 30, mas os clientes exclusivos ganhavam um cartão para entrar sem pagar (hoje, o ingresso de carro não se dá mais pelos imponentes portais com cancela da Rua Chedid Jafet, mas por uma rampinha escondida no final da Avenida Juscelino Kubitschek).
Quando Eliana despontava com seu Porsche Cayenne de R$ 450 mil na portaria do casarão, dois empregados no interior subiam as escadarias acarpetadas borrifando purificadores de ar para "limpar"a passagem.
"Até para conseguir trabalhar lá tinha fila. Fiz o teste em 2004, mas só fui chamada um ano depois e ainda assim para ser caixa. Eu amo a Daslu. Sempre quis trabalhar aqui", diz subgerente da loja do Shopping Cidade Jardim, que prefere não se identificar, aberta bem depois do escândalo. No auge da exposição, uma das dasluzetes era a filha do então governador, Sofia Alckmin.
Com a migração de dasluzetes e de marcas importadas para o Shopping Cidade Jardim, na margem oposta da Marginal Pinheiros, boa parcela das órfãs da Villa Daslu agora circula por aqueles corredores com seus sapatos Louboutins e suas bolsas Bottega Veneta. Estão ali grifes como Giorgio Armani, Carolina Herrera, Hermès, Tiffany e Chanel.
Em uma outra frente de luxo, junto com o Cidade Jardim e o Iguatemi, o aguardadíssimo Shopping JK, dos mesmos empreendedores, já briga para abiscoitar a clientela de heavy users. Com um investimento orçado em R$ 240milhões, o JK vai ficar em um terreno vizinho à Villa Daslu e tem como sócio o dono do prédio, Walter Torre, pelo que se espera que agregue uma espécie de luxo remanescente. A Villa Daslu será ocupada por escritórios. A WTorre também não descarta a alternativa de transformar o espaço em teatro, marcando, assim, o fim de um ciclo.
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