sábado, 12 de dezembro de 2009

Os desafinados


A atendente do telemarketing pede para quem ligou esperar. Nesse momento surge uma melodia e a seguir uma voz diz que é preciso que a música erudita volte a ocupar o seu lugar.
Em resumo, é esse o comercial de rádio com que a Sociedade de Cultura Artística, que teve o seu teatro em São Paulo destruído por um incêndio há pouco mais de um ano, pretende angariar simpatizantes à sua causa, de levantar fundos para reconstruir o local.
Se a gente for pensar bem, o comercial é de um elitismo, de um preconceito, à toda a prova. Música erudita, segundo entendi, não deve ser tocada fora da sala de concerto. Levar Mozart, Beethoven, Bach, Wagner, Villa Lobos, à sociedade de massa é, para quem concebeu a peça publicitária, um pecado mortal.
Há não sei quantos anos ouço, de gente a mais variada, que é preciso popularizar a música erudita. Lembro de uma entrevista que fiz, lá pelo fim dos anos 70 ou começo dos 80, com o maestro Benito Juarez, que, naquela época, fazia uma revolução com a orquestra que então dirigia, a Sinfônica de Campinas. O conjunto, dizia o entusiasmado regente, não se contentava em tocar nos teatros locais, e levava, toda a semana, o melhor do repertório erudito para as praças, os ginásios, as escolas, enfim, para o público que habitualmente não tinha contato com esse tipo de música. Para multiplicar a atuação da orquestra ela se dividia em pequenos conjuntos: quartetos, quintetos, seções de cordas.
Não sei quem são os regentes das poucas orquestras sinfônicas brasileiras que estão na ativa. Mas acompanhei o noticiário sobre a efetivação do francês Yan Pascal Tortelier à frente da Sinfônica do Estado de São Paulo. Li também que ele teve um piti outro dia, quando chegava ao Brasil de Londres, onde mora: parece que quis dar uma carteirada e não enfrentar a fila da alfândega no aeroporto de Guarulhos e quase foi autuado pelos agentes da Polícia Federal por desacato à autoridade.
O maestro pode ter tido as suas razões para não querer gastar tanto tempo numa burocracia tediosa como aquela. Talvez ele tenha mesmo pressa para ensinar os pobres músicos tupiniquins como tocar um Brahms com todo o romantismo possível, ou extrair deles o máximo da sutileza na interpretação de um Debussy. Afinal, ele é muito bem pago para isso.
O que não compreendo é porque em vez de um Tortelier qualquer morando lá na Europa, que vive num vai e vem desgastante para ele e os músicos, a orquestra não possa ser regida por algum competente maestro daqui mesmo - ou será que eles não existem?
Acho que, no fundo, isso tem a ver com a propaganda de rádio da Sociedade de Cultura Artística. Para algumas pessoas, certos tipos de manifestação cultural, como a música erudita, as artes plásticas ou mesmo a literatura, devem ser encaradas como propriedade de uma determinada classe social - nesse caso, as mais abastadas, aquela que se convencionou chamar de elite, essa mesma que hoje se desespera ao ver o país atravessar por tantas mudanças.

Um comentário:

  1. Cultura tem que ser barata e fácil acesso...
    Musica classica e Opera tem quem ser para todos...ma a qualidade custa, a cultura custa...será que vai a entrar na cabeça do contribuinte brasileiro, que seria melhor gastar menos dinheiro publico por outras coisas (estádio de futebol) e mais por facilitar o acesso pela musica clássica?
    O problema no è a cultura o problema som os "pattern" culturais (epicureio nas maioria dos casos) que dominam a sociedade brasileira assim como aquela Italiana.
    Concluindo os problemas da difusão da cultura pelo povo no è um problema esquerda/direita, sendo que gostar "principalmente" de besteira (futebol por exemplo) une tanto um cara de direita que de esquerda.
    Um abraço
    Ps peço desculpa pelo meu péssimo português (sou Italiano)

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