domingo, 22 de novembro de 2009

Jogo obscuro


A confederação européia de futebol, a Uefa, informou outro dia que desbaratou um enorme esquema de fraudes em jogos de importantes torneios continentais. Mais de 200 pessoas estariam envolvidas na marmelada. A polícia e outros órgãos de Justiça de diversos países já estão trabalhando para limpar a reputação do esporte.
No Brasil, em 2005, um escândalo semelhante foi descoberto: o árbitro Edilson Pereira de Carvalho arrumou vários resultados para beneficiar uma quadrilha de apostadores. Como resultado, vários jogos tiveram de ser refeitos, mas o campeonato brasileiro daquele ano ficou indelevelmente manchado.
O caso extrapolou a esfera esportiva e foi parar na área criminal. Este ano, porém, foi encerrado por uma falha processual. Tanto o ex-árbitro como seus cúmplices estão por aí, livres e felizes para aprontar quantas mais quiserem.
Poucos dias atrás, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, atual presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras, foi condenado por um tribunal esportivo a nove meses de suspensão por ter declarado que o árbitro Carlos Eugênio Simon, que anulou, ninguém sabe porque, um gol do de seu clube contra o Fluminense, era, entre outras coisas, "vigarista" e estava "na gaveta de alguém". Belluzzo também ameaçou dar uns tapas em Simon caso o encontrasse.
O destempero do professor Belluzzo ganhou merecidas manchetes nas páginas de esportes dos jornalões, mas as suas graves acusações se perderam no ar. Inexplicavelmente, a imprensa se fez de cega e surda. Pior, comparou o intelectual, sério e equilibrado Belluzzo a tantas figuras caricatas que fazem a delícia do mundo futebolístico.
Para os nossos jornalistas, o pacato professor que se transformou em cartola, teve apenas um arroubo de torcedor. Um desses tais cronistas esportivos afirmou que Belluzzo havia dado uma "euricada", referindo-se ao truculento ex-presidente do Vasco da Gama. Outro preferiu lembrar os tempos que passou na faculdade de jornalismo com Simon para jurar que o árbitro gaúcho é um sujeito sério, honesto e trabalhador.
O testemunho de caráter até que é válido nessa história, mas muito mais importante que ele seria se os nossos solertes repórteres esportivos aproveitassem, como se diz nas redações, o "gancho" da explosão verbal de Belluzzo, para fazer o que se espera desse tipo de profissional, ou seja, simplesmente investigar, sem dar a bola a nenhuma teoria conspiratória, mas também sem excluir qualquer hipótese.
O que mais se ouve e lê quando um árbitro comete um erro crasso - como foi o de Simon - é que, por ele ser "humano", tem todo o direito de falhar. O mesmo raciocínio não se aplica aos jogadores: quando um atacante perde um gol fácil, ele é simplesmente um grosso e merece ser punido, ou seja, sair do time titular.
O exemplo mostra como a imprensa brasileira trata o futebol superficialmente, embora seja consenso que o esporte se configure na maior paixão nacional, um dos negócios mais rentáveis que existem, e um bem cultural inestimável.
Em recente entrevista, um ou dois dias depois de ser punido pelo tribunal esportivo, o professor Belluzzo sintetizou a angústia de um homem que tinha a pretensão de contribuir para mudar o status quo do futebol brasileiro. "Antes eu me divertia com o futebol e me aborrecia com a economia, hoje eu me aborreço com o futebol e me divirto com a economia", disse ele.
Belluzzo agora já está consciente que nem as suas acusações serão investigadas por quem quer que seja, nem que nada mudará no futebol brasileiro durante muito tempo.
Um ano e pouco à frente da administração do Palmeiras foi o suficiente para tirar dele a ilusão de que seria capaz de levar um pingo de modernidade à gestão de seu clube - ou uma réstia de luz às trevas profundas em que vivem seus pares.
É uma pena. O povo brasileiro, esse que gasta boa parte de seu ordenado para ir aos estádios sujos e perigosos; esse que passa boas horas do dia realmente se importando com quem o técnico de seu time vai escalar; esse que ri e chora na tarde/noite dos domingos; esse que tem uma bandeira verde, vermelha, azul, branca, preta, nova ou velha, fincada em seu coração, merece mais respeito, mais seriedade.
Esse povo acredita que no campo são 11 contra 11 e que vence o melhor.
Mas será que isso é mesmo verdade?

3 comentários:

  1. Sou leitora assídua dos seus textos, dos quais gosto muito. No entanto, neste, na minha opinião, você está cometendo um erro. No jogo Flamengo X Cruzeiro de 2008 o árbitro foi o Simon. Neste jogo, houve um suposto pênalti não marcado em cima do Diego Tardelli, então no Flamengo, que teria representado a não-classificação do Flamengo à Libertadores deste ano. Houve linchamento de uma semana inteira do arbitro. Uma semana inteira ficaram ridicularizando-o. Convidaram, inclusive, o flamenguista Gabriel, o pensador, para compor uma música no programa Bem Amigos para continuar o linchamento. Depois disso tudo uma câmera da ESPN, com um outro ângulo, provou que o Simon estava certo. Que, de fato, não havia sido pênalti. O pedido de desculpas, é claro, não tomou mais os programas inteiros. Se resumia a um ou dois minutos do tempo destes programas. Neste jogo entre Palmeiras e Fluminense aconteceu algo semelhante. No entanto, parece que a imprensa ignorarou totalmente o novo vídeo que surgiu. Um jornalista esportivo gaúcho disponibilizou esse vídeo em seu blog. O link é o seguinte: http://www.vidartereporter.com.br/ (“Simon estava certo”). Quando vi este vídeo, concordei que o Obina realmente cometeu falta no zagueiro do Fluminense. (Conheço pessoas que acham que não. Mas, no mínimo, é um lance duvidoso) Mas concordo com você sobre a roubalheira que acontece no futebol brasileiro. Não por ser colorada, mas acho que o Inter teve dois campeonatos roubados nesta década. Um em 2005 e outro, agora em 2009. A copa do Brasil este ano foi algo escandaloso. O dirigente do Inter, Fernando Carvalho, denunciou a ajuda que o Corinthians recebeu em um dvd. Não mereceu nenhum crédito da imprensa. Pelo contrário. O ridicularizaram. Mas não lembro de terem publicado este dvd em nenhum dos programas esportivos. Simplesmente ignoraram a denúncia. Posso dar esse exemplo pq é o clube que sempre acompanho. Mas com certeza há outros. Acho que a politicagem está amparada na nossa imprensa desportiva, que é tão manipuladora quanto a imprensa política. Mas em relação ao Simon. A minha impressão é que ele é perseguido por esta imprensa. O motivo eu não sei. Mas pq sempre precisa aparecer um vídeo de outra emissora para limpar a sua barra?

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  2. Me lembrei de um detalhe relacionado ao jogo Flamengo X Cruzeiro do ano passado. Nos programas esportivos depois do jogo, durante toda a semana ficaram culpando o Simon pela não-classificação à libertadores, reconhecendo, no entanto, que o Cruzeiro jogou muito melhor do que o Flamengo. Segundo eles, era inquestionável a superioridade do Cruzeiro durante todo o jogo, MAS o erro do Simon havia tirado o Flamengo da libertadores.
    Aí lembrei a diferença de tratamento da mídia em relação a outros times, como o Inter. No jogo Internacional X Flamengo em 2007 houve DOIS pênaltis não marcados em cima do Nilmar. O jogo terminou 1 X 1, com o Flamengo empatando no segundo tempo. O discurso era totalmente outro: Tudo bem! Houve dois pênaltis a favor do Inter não marcados, mas a verdade é que o Flamengo mereceu o empate! Jogou muito melhor do que o Inter no segundo tempo! E passaram para o assunto seguinte.

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  3. Oi, Taís,
    acho que a imprensa tem muita responsabilidade sobre o que ocorre com o futebol no Brasil, na medida em que ela não cumpre com a sua obrigação básica, que é informar. Não estou falando de ficar cobrindo o dia a dia dos clubes, o que o técnico fez ou não fez no treino, o que o jogador falou sobre o jogo que perdeu ou ganhou, essas bobagens todas.
    A verdade é que o torcedor não fica sabendo nem 10% do que acontece no seu time. Os setoristas, não importa porque, simplesmente batem ponto, cobrem coletivas, divulgam releases, ou, para esquentar o noticiário, divulgam boatos e fofocas como se fossem notícias. Ou sejam, tratam o futebol como simples entretenimento, criando jargões, mitos, bobagens para vender jornais (algo que está bem difícil hoje em dia...)
    Acho, para terminar, que o simples fato de o Belluzzo ter feito as acusações que fez já merecia que os repórteres se coçassem e fossem investigar se o que ele falou tem ou não algum fundamento.
    Isso, para mim, é jornalismo.
    Abraços
    Motta

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