sábado, 24 de outubro de 2009

Cada coisa no seu lugar

Antes de contar uma historinha que estava meio esquecida na memória, vale a pena reproduzir inteiro o trecho da entrevista do presidente Lula à Folha, que causou comoção entre alguns jornalistas e "observadores" da imprensa pelo país afora:

FOLHA - O sr. diz que a imprensa internacional elogia o Brasil e a nacional puxa para baixo. Nos EUA, Obama apanha da imprensa, e é elogiado na imprensa internacional. Isso não acontece porque a imprensa nacional conhece o país melhor?
LULA - [Risos] Quisera Deus que fosse verdade. A nacional conhece melhor o país, até porque tem obrigação. Mas, às vezes, vejo comportamento de um setor da imprensa muito ideologizado. Sou amante da democracia e da liberdade de imprensa. A maior alegria que tenho é que leitores, ouvintes e telespectadores são os únicos censuradores que admito nos meios de comunicação. Cada um paga pelo que faz.
FOLHA - A imprensa fiscaliza o poder. O sr. não está incomodado com a imprensa cumprindo o seu papel?
LULA - Não incomoda.
FOLHA - O sr. disse que tem azia quando lê jornais.
LULA - Como presidente, nunca fico incomodado. Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar.
FOLHA - A imprensa não tem de ser fiscal do poder?
LULA - Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública. Essa informação pode ser de elogios, de denúncias sobre o governo, de outros assuntos. A única coisa que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas nos editoriais.

Como se vê, o presidente apenas falou o que qualquer estudante de jornalismo - se é que eles ainda existem - aprende nos primeiros dias do curso: nas páginas de notícias devem ser publicadas notícias e não editoriais disfarçados de notícias. Elementar.
E agora, a historinha:
Lá nos idos dos anos 80, o Estadão resolveu mudar de cara e contratou para dirigir a redação um figurão daqueles cheios de verdades incontestáveis.
Tal personagem se cercou de uma dezena de profissionais recrutados na fina flor da imprensa nativa e deu início à sua revolução: dali por diante, decretou solenemente, a opinião ficaria restrita às páginas 2 e 3, as de artigos e editoriais.
Ficamos exultantes de felicidade por ele ter reiventado a roda.
Quando a campanha eleitoral para a presidência começou e o embate entre Collor e Lula estava mais renhido do que se imaginava, numa reunião de editores, o tal chefão jogou uma pisicina de água fria em todos que imaginávamos que dali por diante faríamos jornalismo de verdade:
- A cobertura está sendo muito parcial para o Lula. Vamos ter de mudar isso - ordenou, daquele modo imperial que o distinguia dos simples mortais.
E assim foi feito - o resto é história.
O tempo passou, o big shot não emplacou no Estadão por, dizem, ter levado a pior na colisão de egos com integrantes da família Mesquita, e todos se salvaram.
O Estadão continua a fazer jornalismo de seu próprio jeito reacionário e rancoroso e o tal figurão está hoje muito bem instalado num desses espaços da internet que as publicações da extrema-direita financiam.
Nele, se dedica a escrever, no seu manjado e pomposo estilo sabe-tudo, sobre as desventuras de um país chamado Brasil que é governado por um analfabeto e está prestes a eleger uma desqualificada - e mentirosa - para a sua a sucessão.
Assim é a nossa imprensa livre - que Deus nos livre dela!

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