sábado, 5 de setembro de 2009

Cartas a Getúlio


Nestes dias que prenunciam um interessante embate entre os que se dizem "modernos" e os que são classificados de ultrapassados, estatizantes, e, supremo opróbrio, "nacionalistas", por praticamente toda a imprensa auto-denominada "independente", cabe o registro de importantes documentos históricos, de autoria de um brasileiro acima de qualquer suspeita, pois até mesmo os tais ditos "modernos" devem algo de sua educação à obra desse insígne escritor.
A grande paixão de José Bento Monteiro Lobato, todos sabem, foi o Brasil. A sua obra inteira foi feita inspirada no seu amor por esta terra que ele queria forte, rica, livre e justa. Há quem diga que ele foi um sonhador, mas como seus sonhos estão se tornando realidade, o mais certo é dizer que Monteiro Lobato foi um profeta.
As cartas que ele mandou para Getúlio Vargas deveriam ser lidas antes das sessões nas quais os nossos ilustres parlamentares vão "analisar" os projetos do governo sobre o novo marco regulatório do petróleo, tendo em vista as descobertas da camada do pré-sal.
Os documentos, de 74 anos atrás, lembram muita coisa que acontece hoje:

São Paulo, 20 de janeiro de 1935
Dr. Getúlio Vargas

Por intermédio do meu amigo Rônald de Carvalho, procurei no dia 15 do corrente, fazer chegar ao seu conhecimento uma exposição confidencial sobre o caso do petróleo, estou na incerteza se esse escrito chegou a destino. Talvez se perdesse no desastre do dia 20. E como se trata de documento de muita importância pelas revelações que faz, seria de toda conveniência que eu fosse informado a respeito. Nele denuncio as manobras da Standard Oil para senhorear-se das nossas melhores terras potencialmente petrolíferas, confissão feita em carta pelo próprio diretor dos serviços geológicos da Standard Oil of Argentina, que é o tentáculo do polvo que manipula o brasil. E isso com a cooperação efetiva do sr. Victor Oppenheim e Mark Malamphy, elementos seus que essa companhia insinuou ou no Serviço Geológico e agora dirigem tudo lá, sob o olho palerma e inocentíssimo do dr. Fleuri da Rocha. É de tal valor a confissão, que se eu der a público com os respectivos comentários o público ficará seriamente abalado.
Acabo agora de obter mais uma prova da duplicidade desse Oppenheim, cornaca do Fleuri. Em comunicação reservada que ele enviou para a Argentina ele diz justamente o contrário, quanto às possibilidades petrolíferas do Sul do Brasil, do que faz aqui o Fleuri pelos jornais, com o objetivo de embaraçar a marcha dos trabalhos da Companhia Petróleos.
O assunto é extremamente sério e faz jus ao exame sereno do Presidente da República, pois que as nossas melhores jazidas de minérios já caíram em mãos estrangeiras e no passo em que as coisas vão o mesmo se dará com as terras potencialmente petrolíferas. E já hoje ninguém poderá negar isso visto que tenho uma carta em que o chefe dos serviços geológicos da Standard ingenuamente confessa tudo, e declara que a intenção dessa companhia é manter o Brasil em estado de "escravização petrolífera".
Aproveito o ensejo para lembrar que ainda não recebi os papéis, ou estudos preliminares do serviço que V. Excia. Tinha em vista organizar, por ocasião do encontro que tivemos em fins do ano passado, no Palácio Guanabara.

Respeitosamente,
J. B. Monteiro Lobato



São Paulo, 19 de agosto de 1935
Dr. Getúlio Vargas

Excelentíssimo Senhor:
Conforme previ na última audiência que me foi concedida a 15 do corrente, há alguém interessado em embaraçar a ação da Cia Petróleos do Brasil, dificultando a obtenção da autorização para que ela siga seu curso natural, fora das restrições do Decreto nº 20.799, que, em requerimento ao Ministério da Agricultura, foi pedida. E como V. Excia., me autorizou, neste caso, a recorrer diretamente a V. Excia., como guardião que é dos verdadeiros interesses nacionais, sou forçado a lançar mão desse recurso.
Negam-nos a autorização pedida, dificultando, retardando, protelando o necessário decreto. Isso vem impossibilitar a atividade da Cia Petróleos do Brasil. Os homens contratados à custa de tanto sacrifício monetário para procederem em nosso território quatro meses de provas, nada poderão fazer já que a companhia que os contratou não pode fazer contratos de opção nos terrenos a serem examinados. E desse modo terão de regressar para a América do Norte sem que o Brasil se beneficie das vantagens incomensuráveis da série de provas previstas e para as quais a nossa empresa se formou.
Isso constitui um crime imperdoável, além de denunciar de modo esmagador que há gente paga por estrangeiros para que o Brasil não tenha nunca o seu petróleo. Em vez de, pelas funções de seus cargos, esses homens tudo fazerem para que tenhamos petróleo, quanto antes, tudo fazem para que não o tenhamos nunca. O caso é, pois, desses que pede a imediata intervenção de homens que, como V. Excia., só têm em vista os altos interesses do País.
Assim, de acordo com a promessa que V. Excia. Me fez, venho denunciar a manobra da sabotagem burocrática e pedir o remédio urgente.

Respeitosamente subscrevo-me
De V. Excia. Atento servidor
Monteiro Lobato.

Monteiro Lobato morreu em 1948. Longa vida a ele!

2 comentários:

  1. Prezado Motta,

    fiquei conhecendo seu excelente blog hoje e tomei a liberdade de copiar as cartas do Monteiro Lobato no meu blog http://blogdeumsem-mdia.blogspot.com
    abç carlos dória

    ResponderExcluir
  2. Carlos,
    como você viu, pela leitura das cartas, passa o tempo e são sempre os mesmos que estão querendo meter a mão nas riquezas do Brasil.
    Um abraço,
    Motta

    ResponderExcluir