Quem tem menos de 40 anos quase nada deve saber a respeito da luta livre - não o esporte, mas o entretenimento - no Brasil. Talvez alguns ainda se lembrem de Ted Boy Marino, que depois de encerrado o programa que fazia com outros mestres da marmelada sobre o ringue, foi aproveitado na Globo principalmente na trupe dos Trapalhões liderada por Renato Aragão.
Ted Boy, vivo até hoje, foi, na época, década de 70, um dos "artistas" mais conhecidos do país - assim como o telecatch, que rivalizava com o futebol na preferência popular.
O release da Matrix divulga o livro "Telecatch - Almanaque da Luta Livre", de Drago, também autor do "Livro da Traição Feminina", publicado pela mesma editora. Nele, além de Fantomas e Ted Boy, estão personagens que se perderam no tempo e na memória: Aquiles, Hércules, Tigre Paraguaio, Homem Montanha, Gran Caruso, Cangaceiro, Tony Videla, Marinheiro, Ursus... Os nomes, assim como as fantasias, variavam imensamente, mas havia entre todos esses personagens algo imutável: o bem e o mal.
O lutador ou pertencia à turma dos "mocinhos" ou à turma dos "bandidos", pertencia aos "limpos" ou aos "sujos". O mundo da luta livre de mentirinha era assim bem simples: preto no branco, sem meios tons, direto, objetivo, facil de entender - e talvez isso, mais do que qualquer outra coisa, explique o sucesso dos programas.
Esse maniqueísmo tinha a ajuda de "árbitros" que igualmente se dividiam entre os dois grupos, aqueles que seguiam estritamente as regras do espetáculo e os que torciam e ajudavam os vilões, em flagrantes atos de injustiça que revoltavam todos que viam as exibições. Não poucas vezes, senhores e senhoras mais exaltados brindavam tais meliantes -Índio Saltense e Isidoro de Cária foram os mais notórios - com uma chuva de boas e bem dadas guarda-chuvadas.
Esse universo tinha, porém, uma exceção: o gigante mascarado que entrava no ringue com os braços estendidos, arrastando uma perna, como se fosse um monstro ou um carrasco - e que fazia pudim de todos que ousassem cruzar o seu caminho, não importa se da turma do bem ou da turma do mal.
Fantomas era diferente. Não pertencia a nenhum dos dois grupos. Batia indiscriminadamente no adversário, qual uma máquina implacável, um profissional frio, sem sentimentos, que estava ali apenas para fazer o seu trabalho da melhor maneira possível.
O público, que idolatrava os bons e odiava os maus na mesma proporção, quando chegava a vez de Fantomas, se dividia: aplaudia quando massacrava um Aquiles - o mais execrado de todos - e o cobria de vaias quando, depois de arremessar algum desavisado integrante da turma do bem nas cordas, concluía o serviço com um inevitável golpe de caratê na testa do coitado. Nocaute na certa.
É uma pena que Fantomas e seus adversários tenham desaparecido da TV. Além da diversão garantida, davam, semanalmente, aulas inteiramente grátis de moral e ética para o telespectador, que reconhecia facilmente quem, entre eles, prestava ou não, quem usava truques sujos para vencer, e quem vencia apenas por seus méritos.
Naqueles tempos era moleza torcer para o mocinho, pois todos sabiam quem eram os mocinhos e os bandidos. Só Fantomas complicava as coisas e deixava o povo indeciso sobre essa história de dividir tudo entre bem e mal.
Mas ele podia fazer isso: afinal, era o Justiceiro Mascarado. Com ele, nem os árbitros desonestos tinham vez. Suas pancadas, desferidas estritamente dentro das regras, não admitiam contestação.
Hoje é diferente. A marmelada saiu dos ringues e virou coisa comum entre quem, supostamente, deveria zelar por todas as conquistas adquiridas com tanto esforço por gerações de brasileiros. Quem a pratica trocou os "macaquinhos" coloridos, as fantasias ingênuas, as máscaras toscas dos lutadores de telecatch por sisudos ternos, gravatas - e negras togas.
Ao contrário do que ocorre atualmente, o mundo de faz-de-conta de Fantomas e companheiros provocava somente boas e saudáveis risadas.
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