quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Frio

O Frio se foi. Li, com o coração apertado, que o Walmir Venturini, excelente profissional e uma das figuras mais queridas no Estadão quando lá estive, nos abandonou. Poderia contar algumas histórias do Frio, falar do seu temperamento, das suas idiossincracias e de como é bom a gente trabalhar com figuras como ele. Mas prefiro reproduzir a crônica que o Raul Drewnick, este sim um verdadeiro artista das letras, que conheceu o Frio como poucos, escreveu para homenagear o amigo.
Aí vai, então, o Frio, pelo Raul:


“As várias décadas em que trabalhei no Estadão me proporcionaram a descoberta de dois inestimáveis tesouros: o conhecimento do mundo e o conhecimento das pessoas. Pelas páginas do jornal, eu soube de reinados
que ruíram, de repúblicas que nasceram, de plebiscitos, de referendos, de derrotas e conquistas, de pequenos e enormes feitos, daquelas histórias de miséria e grandeza do homem, que os outros homens, em todos os tempos, sempre precisaram e sempre quiseram conhecer.
Nessas décadas, acompanhei essas histórias e aprendi, com os grandes profissionais que o jornal sempre teve, como tratar a notícia para que ela chegasse às bancas com isenção, clareza e correção. Pelo respeito a essas qualidades zelava, com dedicação extrema, um dos revisores mais capacitados que a imprensa brasileira já teve: Walmir Venturini.
As crases, os verbos irregulares e outros inimigos sempre traiçoeiros e ferozes, prontos para derrubar tanto os novatos quanto os veteranos, não lhe metiam medo. Iam comer na sua mão, dóceis como passarinhos.
Quando as piores dúvidas surgiam, era a ele que os redatores recorriam. Contribuindo para a correção dos textos do jornal, ele contribuía também para que os leitores do Estado tivessem, além da informação segura, a certeza de que essas informações eram dadas em bom e corrente português. Era assim o Walmir, implacável com os grandes pecados e também com os pecadilhos lingüísticos. Tão implacável que às vezes se mostrava
ranzinza ao discorrer sobre uma questão gramatical. Mas
como era bom vê-lo escancarar um sorriso quando falava da mulher e dos filhos! Amava-os como poucas vezes vi um homem amar sua família.
Ele amava com essa mesma generosidade os amigos. E foi amado por eles, primeiro como Walmir e, depois, como Frio, apelido que recebeu numa noite em que surgiu com um casaco imenso, apropriado talvez só para o clima siberiano.
Tive a felicidade e a honra de ser um dos amigos do Walmir. E me sinto quase ingrato hoje, por não encontrar as palavras que ele merecia. Mas sempre foi assim, sempre será. Certos sentimentos, fortes, grandes, intensos, talvez possam ser traduzidos em palavras. Mas certamente não com estas, pobres, que eu disse aqui. Que o Walmir me perdoe por isso.”

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