sábado, 3 de janeiro de 2009

De acordo em acordo

Acho que todos já devem (ou deveriam) ter ouvido falar de Monteiro Lobato. O gênio literário, autor da obra infantil mais completa da língua portuguesa e excepcional contista, era também um homem irrequieto, idealista, e, como todo sonhador, muito além de seu tempo. 
Mais: Lobato era um revolucionário que atuou em várias frentes, desde a edição de livros até a pregação radical em prol da industrialização do país.
Um exemplo desse espírito libertário foi a singular gramática que adotou lá pelos anos 20 do século passado. Isso antes que os acadêmicos resolvessem "atualizar" o português - daquela vez, como agora, mexeram nos acentos, e resolveram também eliminar algumas letras dobradas, absolutamente desnecessárias às palavras. Lobato simplesmente mandou as regras oficiais às favas e passou a escrever seus deliciosos textos à sua moda. 
Hoje, quando se discute inutilmente sobre mais um acordo ortográfico, que pretende unificar a língua portuguesa falada e escrita em diferentes partes do mundo, a "Ligeira nota sobre a ortografia de Monteiro Lobato (Entrevista com os Editores)", que precede vários de seus livros (Urupês, Negrinha e Cidades Mortas, para citar alguns), é de uma atualidade impressionante.
Vale a pena reproduzir alguns trechos dessa obra-prima de lucidez:
"Monteiro Lobato pensa em tudo por si próprio. Muito antes de oficializada a atual ortografia, já ele tinha reagido contra a etimologia - e agora reage contra os acentos. Em tudo quanto escreve, e nas traduções, não usa acentos, afora os antigos. Qual a razão dessa ojeriza? Interpelamo-lo e a sua resposta merece menção.
- Não é ojeriza. É o horror que eu tenho à imbecilidade humana sob qualquer forma que se apresente. Há uma lei natural que orienta a evolução de todas as línguas: a lei do menor esforço. Se eu posso dizer isto com o esforço de um quilogrâmetro, por que dizê-lo com o esforço de dois? Essa lei norteia a evolução da língua e foi o que fez com que caíssem as letras dobradas, os hh mudos etc. A reforma ortográfica veio apenas apressar um processo em curso (....) Essa grande lei do menor esforço conduz à sinplificação da ortografia e jamais à complicação - e os tais acentos a torto e a direito que os reformadores oficiais impuseram à nova ortografia vêm complicar, vêm contrariar a lei da evolução! São, pois, uma coisa incientífica, tola, imbecil, cretinizante e que deve ser violentamente repelida por todas as pessoas decentes (...) Que é a língua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país (...)
- Nega então a utilidade do acento?
- Está claro, homem! Pois não vê que a maior das línguas modernas, a mais rica em número de palavras, a mais falada de todas, a de mais opulenta literatura - a língua inglesa - não tem um só acento? E isto teve a sua parte na vitória dos povos de língua inglesa no mundo, do mesmo modo que a excessiva acentuação da língua francesa foi parte de vulto na decadência e queda final da França. O tempo que os franceses gastaram em acentuar palavras foi tempo perdido - que o inglês aproveitou para empolgar o mundo."
Como se observa, a acentuação desta "crônica" não é a de Lobato nem a do novo acordo ortográfico, uma vez que o cronista ainda não se despojou de antigos hábitos. Afinal, toda mudança é traumática, principalmente aquelas que são feitas contra a nossa vontade.

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