O deputado estadual (DEM-SP) João Mellão Neto, apresenta-se, em seu site, como um dos jornalistas "mais lidos, comentados e acreditados da imprensa de São Paulo e do Brasil". Nele, o internauta fica sabendo que "Mellão escreve com propriedade sobre os mais diversos assuntos: política, economia, costumes, família e até mesmo religião". Também que "as razões de seu sucesso são muitas", pois "ele sempre aborda os diferentes assuntos a partir de enfoques originais, cuidadosamente estudados, mostrando aspectos importantes, cruciais, porém pouco ventilados pela mídia em geral".
Não é pouco, convenhamos, principalmente porque Mellão escreve num dos principais jornais do país, o Estadão. Ali, encanta, todas as semanas, em artigos de cerca de meia página, os leitores fiéis da publicação - um público perfeito para as suas, digamos assim, idéias.
Sua última pensata foi sobre os índios brasileiros, na carona do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Com o título de "Índio não quer só mais apito", ele avisa logo de cara que "não há nada mais tedioso do que esses recorrentes confrontos", referindo-se ao conflito entre os indígenas e arrozeiros. Passa então a enumerar as razões para tanto tédio:
1) Roraima é um território economicamente irrelevante;
2) O Estado dista alguns milhares de quilômetros de qualquer centro urbano que nutra a pretensão de vir a ser importante ("alô, presidente Lula, o onipresente Bolsa-Família já chegou àquelas plagas?", pergunta);
3) A população indígena, no Brasil, é "rarefeita - quase inexistente -, ao contrário dos indigenistas";
4) Ninguém sabe ao certo a quem cabe a razão nessas desinteligências.
Apesar da pouca relevância que dá ao tema, Mellão segue avante e explica ao caro leitor que há duas visões "em matéria de índios": uma, daqueles "que defendem a volta pura e simples dos 'selvagens' à natureza", e a outra daqueles "que acreditam que jamais um índio que tenha tomado contato com os 'civilizados' reúna condições mínimas para estabelecer um pacto indígena satisfatório".
Depois, afirma que uma terceira corrente, que "nasceu, ao que se sabe, da própria cabeça dos silvícolas" vem ganhando "cada vez mais força": "Tanto faz quem espoliou quem. O que importa é o aqui e agora. O índio brasileiro é perfeitamente capaz de arrancar rumo ao desenvolvimento, desde que lhe sejam garantidas algumas modestas prerrogativas, dentre as quais pontifica o legítimo direito de explorar as suas terras da forma que bem entenderem. Entenda-se, aqui, o monopólio da lavra dos recursos minerais, a livre exploração da floresta, bem como a dos seus frutos. Caso se mostre inviável este aproveitamento, os índios seriam figuras jurídicas aptas a subcontratar empresas que o façam."
Para Mellão, no entanto, "esta fórmula claudica pelo fato de que as terras ditas indígenas representam nada menos do que 15% do território nacional, o que, na prática, inverte a equação: pobres e desvalidos passariam a ser os chamados 'brancos', que nem sonham em gozar de tais prerrogativas". Ele segue em seu argumento dizendo que os "brancos", na prática, "são a gata borralheira da história": "Não possuindo tais privilégios extrativistas e contando apenas com a sua disposição para o trabalho, tudo o que mais desejam é a garantia de terras para trabalhar". E, arremeta, com uma das pérolas de sua visão de mundo: "Ser índio, no Brasil, revela-se, assim, um bom negócio."
Para o nosso lúcido articulista, "só não vê quem não quer: os indígenas, na prática, já usufruem as prerrogativas que pleiteiam no papel. Com a vantagem adicional de estarem permanentemente em foco na imprensa internacional e contarem com a incondicional simpatia desta".
Mellão passa a enumerar as notícias que, "todos os dias, na mídia", relatam as "extravagâncias" realizadas pelos "herdeiros de Peri": "Fretamento de jatos executivos, aluguel de andares inteiros nos hotéis das maiores cidades e dispêndio de fortunas com a contratação dos serviços profissionais de competentes rameiras (índio também gosta disso)."
Por outro lado, afirma, peremptório, "não se ouve falar de gastos nababescos realizados pelos espartanos 'brancos'. Parece que o dinheiro é curto na seara dos 'caras-pálidas'. E parece que nascer índio é realmente um excelente negócio no Brasil, somente suplantado pela condição de viver como índio. Consta que os 'brancos', quando morrem, não sonham com paraísos. Tudo o que almejam é, nas próximas encarnações, voltar para o mundo como legítimos indígenas."
No término de seu desarrazoado, Mellão explica que não é "adepto da escola" dos 'politicamente corretos' e tampouco reza "pelo catecismo do clero progressista". Assim, justifica não ter "obrigações com corrente ideológica alguma". E, dessa forma, confessa que não tem "nenhum constrangimento em manifestar a minha simpatia irrestrita pela causa dos brancos", pois, afinal "eles só querem trabalhar". Na última frase, grita sua indignação: "Meu Deus, será que, em tempos petistas, até isso virou pecado?"
Em seus artigos, Mellão já havia anteriormente elogiado o "generalíssimo" Francisco Franco (clique aqui para ler a crônica sobre o assunto), o que, por si só revela suas preferências. Como vivemos numa democracia, ninguém nega a ele o direito de pensar o que lhe aprouver e seguir o líder que julga mais apropriado ao seu modo de vida.
Estranho mesmo é que tal ideário, uma mistura de preconceitos rasteiros, ressentimentos de classe e mentiras toscas, para não se estender muito, seja propagada por um jornal que se julga sóbrio, sério e importante. Dar voz a tais disparates é, no mínimo, assumir a co-responsabilidade por tais ignomínias.
Nem os leitores mais típicos do Estadão, aqueles que ainda choram de saudade os tempos fardados do "Brasil grande", merecem isso.
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