No momento em que o mundo começa a entrar numa fase sombria, em que poucos se atrevem a arriscar vaticínios sobre quando as coisas retomarão seu ritmo normal, o chefe de todos os católicos, papa Bento 16, andou proclamando as belezas da morte.
Em sua homilia no dia de finados, ele perguntou ao público que o assistia se "os homens e as mulheres de nossa época desejam a vida eterna ou se a existência terrena se converteu em seu único horizonte", para depois falar sobre a beleza desse mundo do além, descrito por ele como uma "imersão no oceano do amor infinito no qual o tempo, o passado e o futuro não existem".
Bento 16 não é um simplório e não pode ser descrito como um homem desapegado aos confortos da vida material - ou terrena. Nenhum papa o foi na verdade. A própria condição de chefe da Igreja Católica impõe o cotidiano exercício de uma série de rituais de muita pompa e circunstância.
Nenhum papa foi uma pessoa comum, como, por exemplo, vários santos católicos, descritos por Bento 16 como homens "pobres de espírito, doídos pelos pecados, ávidos, famintos e sedentos de Justiça, misericordiosos, puros de coração e portadores de paz".
Antes de ter mostrado para seus fiéis a glória da vida eterna, o papa fez uma pequena observação sobre a passagem do ser humano pela Terra, dizendo que nela o homem procura ser feliz. Foi apenas uma constatação, sem nenhum juízo de valor: "A felicidade é uma esperança universal, de todos os homens de todos os tempos e em todos os lugares."
Bento 16 poderia ter sido mais contundente ao se referir às vicissitudes de nosso trânsito pela vida terrena. Poderia, por exemplo, ter dito que poucos, muito poucos, conseguem atingir a felicidade. E, se fosse um cínico, poderia dizer que para a Igreja Católica isso não tem importância, pois o que vale mesmo é a atemporalidade e a beleza da vida na eternidade.
Mas não, o papa preferiu exercer o pragmatismo de um chefe de Estado, que escolhe suas palavras pesando-as numa balança preparada para iludir o comprador. Segundo afirmou, as superstições e a secularização ameaçam a fé dos cristãos no além. "É necessário hoje evangelizar a realidade da morte e da vida eterna, realidade especialmente sujeita a crenças supersticiosas e a sincretismos, para que a verdade cristã não corra o perigo de se misturar com mitologias de vários gêneros", disse.
Bento 16, ao que parece, acredita realmente que a vida depois da morte é um prêmio e não um castigo. Pena que seus seguidores, a julgar pelo estado atual do rebanho, ainda não tenham atingido tal grau de certeza - ou de fé. Para eles, o céu ainda é apenas um longínquo desejo, quase impossível de ser realizado. Afinal, com tantas provações a se passar neste vale de lágrimas, é quase impossível sobrar alguma disposição para sair à compra desse bilhete premiado.
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