João acordou na segunda-feira na hora de sempre. Enquanto tomava o café da manhã, ligou a televisão para assistir ao jornal matinal. Minutos depois, derramou a xícara na toalha branca da mesa da cozinha: ele era a estrela do noticiário.
Uma estrela amaldiçoada.
Com a voz flexionada no modo alegria, o apresentador anunciava que uma enorme operação policial cercava, naquele momento, o condomínio onde João morava, e que os agentes da lei e da ordem carregavam uma ordem judicial para vasculhar o seu apartamento, apreender o que supusessem provas de seu inominável crime, e, por fim, o prendessem.
A sorte, se é que, numa situação dessas a sorte dá as caras, é que João, naquele fim de semana, tinha ido visitar os seus pais - e, portanto, não estava em seu apartamento.
João, depois de ver e ouvir a notícia de que era um criminoso procurado, tentou obter mais informações sobre esse fato absolutamente extraordinário, e ligou o notebook que carregava em toda viagem que fazia.
Era tudo verdade, lá estava ele em todos os sites noticiosos, fotos antigas e mais novas, manchetes escandalosas, declarações contundentes de pessoas que conhecia e desconhecia sobre falcatruas que nunca supôs que fosse capaz de praticar.
Naquele momento João percebeu que, fosse ou não preso, a sua vida, pelo menos a vida que conhecia até então, havia acabado, para ele e sua família.
João, que dias antes soubera, por meio de um colega de trabalho, que algumas pessoas desconhecidas haviam perguntado sobre seus hábitos ("ele sai cedo do trabalho, que caminho faz até sua casa, usa carro, ônibus ou bicicleta?"), suas preferências ("ele bebe, é vegetariano, come carne vermelha, dá gorjeta ao garçom?"), até mesmo sobre sua família ("tem filhos pequenos, estudam onde, sua mulher trabalha?"), sentiu seu coração disparar e uma onda de calor tomar conta de sua cabeça.
Foi quando, num choro convulso que deixou seus pais, testemunhas mudas de sua aflição, perplexos, sem fala, sem ação, que João compreendeu o que se passava com ele.
Refeito do abalo nervoso, chamou seus pais para perto de si, e numa voz baixa, quase infantil, disse apenas uma frase, antes de se despedir:
- Eles descobriram que eu existo.
E foi embora, passos lentos, cabeça baixa, como se estivesse conformado em fazer, agora, parte dos malditos.
É isso aí prezado Motta. Se o cidadão não se impuser, o vagabundo entra na casa, bota o dono pra fora, estufa o peito e proclama: " isso aqui agora é meu."
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