Nestes tempos bicudos de ódio e intolerância, nos quais alguns extremistas agem sob padrões de conduta que beiram a selvageria, é necessário buscar na história exemplos que dignificam o homem e o elevam à altura de seres especiais dentre a constelação de vidas do universo.
É preciso mostrar que não se pode aceitar que o absurdo, o maléfico e o horror, sejam vistos como naturais e inerentes à condição humana.
É imperativo reagir contra as forças que querem fazer a civilização retroceder milhares de anos, aos tempos em que o relâmpago e o trovão eram explicados como a expressão da fúria dos deuses, e a eles se sacrificavam, para aplacar a sua ira, homens e mulheres, jovens e velhos.
A barbárie...
E uma historinha que exalta a coragem e a integridade, a inteligência se sobrepondo à bestialidade.
O episódio se passou no dia 12 de outubro de 1936, no Festival da Raça Espanhola, na Universidade de Salamanca, Espanha. Estavam presentes, entre outros, a mulher do general Francisco Franco e o general Millán Astray, fundador da Legião Espanhola, um corpo de voluntários estrangeiros, formado para combater nas guerras do Norte de África, à semelhança da Legião Estrangeira Francesa.
O professor Francisco Maldonado havia atacado o nacionalismo basco, descrito por ele como "câncer da nação" e que precisava ser "curado com o bisturi do fascismo”, quando alguém da plateia soltou o grito de guerra da Legião Espanhola: “Viva a morte!”
O general Millan Astray, não se conteve e em seguida, deu o mesmo grito:
- Viva a Morte!"
Em resposta, ele ouviu o seguinte, do reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno, ensaísta, romancista, poeta e filósofo, um dos intelectuais mais importantes da Espanha:
- Todos vocês esperam as minhas palavras. Vocês me conhecem e sabem que sou incapaz de ficar em silêncio. Às vezes o silêncio é mentir. Pois o silêncio pode ser interpretado como concordância. Quero comentar o discurso, se é que se pode chamá-lo assim, do professor Maldonado. Vamos deixar de lado a afronta pessoal implícita na explosão súbita de vitupérios contra os bascos e catalães. Eu mesmo, claro, nasci em Bilbao. O bispo, quer queira ou não, é catalão, de Barcelona. Bem agora ouvi um grito necrófilo e sem sentido: ‘Viva a morte!’ E eu, que passei a vida criando paradoxos, devo dizer-lhes, com autoridade de especialista, que este paradoxo estranhíssimo me é repulsivo. O general Millán Astray é um aleijado [havia perdido um braço e era cego de um olho]. Vamos dizê-lo sem rodeios. É um aleijado de guerra. Cervantes também era. Infelizmente há aleijados demais na Espanha hoje em dia. E logo haverá mais ainda se Deus não vier em nosso auxílio. Dói-me pensar que o general Millán Astray deva ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado sem a grandeza de Cervantes tende a buscar consolo calamitoso provocando mutilação à sua volta. O general Millán Astray gostaria de recriar a Espanha, uma criação negativa à sua própria imagem e semelhança; por essa razão, deseja ver a Espanha aleijada, como sem querer deixou claro.
Nesse momento, o general Millán-Astray voltou à carga:
- Morra a intelectualidade traidora! Viva a morte!
Unamuno retomou a palavra:
- Este é o templo da inteligência e eu sou seu sumo sacerdote. Vós estais profanando este sagrado recinto. Tenho sempre sido, digam o que digam, um profeta de meu próprio país. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis porque para convencer há que persuadir. E para persuadir lhes falta algo que não tendes: razão e direito. Mas me parece inútil cogitar de que pensais na Espanha.
O tumulto se instalou no recinto. Os fascistas começaram a xingar Unamuno, alguns oficiais sacaram suas pistolas, e o reitor, graças à intervenção da mulher de Franco, conseguiu se retirar.
No mesmo dia, o Conselho Municipal decretou a expulsão de Unamuno da Universidade de Salamanca. O proponente, conselheiro Rubio Polo, solicitou a medida sob o argumento de que "a Espanha, afinal, apunhalada traiçoeiramente pela pseudo-intelectualidade liberal-maçônica cuja vida e pensamento só na vontade de vingança se manteve firme, em tudo o mais foi sinuosa e oscilante, não teve critérios, somente paixões".
Unamuno passou os últimos dias de sua vida em prisão familiar e morreu no mesmo ano de 1936, no dia 31 de dezembro.
Em outubro de 2011, foi reconduzido postumamente ao cargo de reitor da Universidade de Salamanca.
Entre julho de 1936 a abril de 1939 a Espanha esteve mergulhada numa guerra civil, vencida pelos fascistas liderados por Francisco Franco, cujo saldo foram cerca de 400 mil mortos e uma ditadura que durou até 1976.
"Entre julho de 1936 a abril de 1939 a Espanha esteve mergulhada numa guerra civil, vencida pelos fascistas liderados por Francisco Franco, cujo saldo foram cerca de 400 mil mortos e uma ditadura que durou até 1976."
ResponderExcluirSe bobear, eles fazem a mesma cagada por aqui.