segunda-feira, 7 de abril de 2014

Uma pesquisa científica

O telefone toca.
- Bom dia, sr. Carlos. Aqui é do Instituto Datavênia. Estamos fazendo uma pesquisa sobre tributação. É rápida. Gostaríamos que o sr. respondesse a ela. Garantimos sigilo absoluto.
- O que vocês querem saber?
- Primeiro: o sr. acha que o brasileiro paga muito imposto? 
- Não, não acho.
- O sr. não acha? Que estranho? Posso mesmo pôr isso como resposta?
- Claro que sim. Acho que no Brasil o rico paga pouco imposto, a classe média paga um pouco mais e os pobres é que se ferram. Em resumo: o sistema tributário no Brasil é injusto, deveria taxar mais quem tem mais dinheiro e menos quem tem menos. Simples.

- Mas o sr. não acha que a carga tributária é muito alta?
- Não, não acho.
- O sr. tem certeza? Ela é uma das mais altas do mundo...
- E de onde você tirou isso? É mentira. A carga tributária no Brasil é menor que muitos países considerados de Primeiro Mundo. E é bom que os governos - eu disse governos, não o governo federal - arrecadem bastante, porque só assim a população poderá ter acesso gratuito à saúde, à educação, poderá usufruir da Previdência Social, poderá, enfim, ter uma rede de proteção mínima.
- Essa é justamente a outra pergunta que eu ia fazer ao sr. O sr. acha que o imposto que o sr. paga é bem aplicado pelo governo?
- Acho que poderia ser mais bem aplicado, sem dúvida. Mas acho que a população é responsável, em grande parte, pelos desvios na aplicação do dinheiro dos impostos.
- Como assim?
- A maioria das pessoas não se interessa em fiscalizar os órgãos públicos, não sabe sequer o imposto que é arrecadado pela prefeitura ou pelo governo estadual ou federal. É completamente ignorante de tudo o que se refere à questão fiscal, a não ser arranjar um jeito de sonegar o Imposto de Renda. Nem pede nota fiscal, deixa o empresário fraudar na boa a Receita. Não tem consciência de que se a maioria ficasse de olho no que os governantes fazem com o dinheiro dos impostos, a vida no país seria bem melhor do que é.
- Para terminar, então, o sr. é a favor de uma reforma tributária que proporcione à população pagar menos impostos?
- Sou a favor de uma reforma que simplifique o processo de arrecadação e que seja justa com todos, adotando o princípio da progressividade, ou seja, quem tem mais paga mais. Eu agora tenho uma pergunta a você: quem está patrocinando essa pesquisa?
- Ah, isso é confidencial.
- Sei... E ela será divulgada publicamente ou será de uso restrito?
- Bem... Não sei dizer ao sr. Acho que depende do resultado...
- Entendi. Se a maioria achar que pagamos muito imposto ela será manchete em todos o jornais. E é claro que a maioria vai dizer isso. É a mesma coisa que perguntar à dona de casa de ela gostou do aumento do preço do tomate.
Ou fazer pesquisa perguntando se a pessoa aprova o governo da Dilma e vai votar nela depois de ter respondido a um questionário imenso sobre não sei quantos escândalos fabricados pela imprensa - que patrocina a pesquisa.
- Desculpe, sr. Não entendi onde o sr. quer chegar. Garanto que a nossa pesquisa é séria, embasada em critérios científicos, o nosso instituto preza pela honestidade...
- Claro. E Papai Noel existe.
- Como?
- Nada, é que o Natal está chegando e eu preciso desligar o telefone porque senão chego atrasado para o desfile das escolas de samba na Páscoa.
- Hein?
- Passe bem, bom dia, boa pesquisa, seja feliz, esqueça o que eu disse.
- Não, não posso, mas o sr. fique tranquilo...
E o telefone se emudece.

3 comentários:

  1. Engraçado.
    Dia desses recebi um telefonema de pesquisa que perguntava se eu era a favor de mudança na legislação que permitisse que crianças e adolescentes de 11 a 16 anos pudessem trabalhar.
    REspondi que era contra.
    Foi como uma bomba atômica!
    Foi chocante a perplexidade da pesquisadora, dando a entender que eu era a primeira pessoa que respondera daquela forma.
    Gaguejando, ela quis saber os motivos e começou a tentar ponderar se não era melhor criança trabalhar do que roubar etc.
    Tentei lembrá-la de que se tratava de uma pesquisa e eu poderia responder de acordo com minha opinião.
    Ela desligou e me deixou falando sozinho, sem tempo de perguntar a ela quem estava por trás da tal... pesquisa.

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