terça-feira, 15 de outubro de 2013

Quem mudou tanto: Cuba ou o jornalista de Veja?


Foi remexendo nos meus livros antediluvianos nos preparativos de mais uma mudança de residência que encontrei outro dia desses o exemplar de "Cuba Hoje - 20 Anos de Revolução", de Jorge Escosteguy, publicado pela Editora Alfa-Omega, em 1979.
O livro é uma reportagem do jornalista, morto em 1996, que trabalhou nas revistas IstoÉ e Veja e apresentou, de 1989 a 1994, o programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre a ilha, num tempo em que poucos brasileiros podiam visitá-la e a informação sobre ela era pouca e porca. 
O livro foi lançado três anos depois do pioneiro "A Ilha", do também jornalista Fernando Morais, o primeiro brasileiro a descrever como era a vida sob o regime de Fidel Castro.
Mas vamos deixar de lado o conteúdo do livro de Escosteguy e o seu valor jornalístico e literário. 
Interessante mesmo é o prefácio, escrito pelo seu colega Augusto Nunes, que hoje satisfaz os leitores de Veja com um blog e apresenta, para um público retilíneo como um traço, o mesmo Roda Viva, cada vez mais morto.
Pois bem. 

O Augusto Nunes de 1979 não é, decididamente, o Augusto Nunes de agora.
Diria até que eles são duas pessoas completamente distintas, duas personalidades antagônicas, que se, por um feitiço qualquer, se encontrassem, inevitavelmente sairiam, como diz o vulgo, no tapa.
Recordar é viver.
Este é o Augusto Nunes de 1979:
(...) Mas Escoteguy tinha apenas 15 anos em 1961, quando Fidel Castro anunciou ao mundo o caráter socialista da revolução cubana. E, como todos os de nossa geração, certamente passou a sofrer o bombardeio propagandístico destinado a reduzir Cuba a um dissílabo sinistro, e seus líderes, a torpes inimigos da civilização ocidental e cristã. Quem não se lembra da santa indignação que sacudiu o Brasil quando o presidente Jânio Quadros condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul? Na cidade em que nasci, beatas choravam e terços e novenas conclamavam a população católica a rezar por Cuba. 
(...) Era apenas o começo; estava por chegar o vendaval de 1964, e com ele a completa proscrição de Cuba pelo regime brasileiro.
(...) Nossa imprensa ensinava que os bons cubanos viviam em Miami, organizando a libertação da ilha. Ensinava, também, que o governo de Cuba tinha como meta básica (ou única?) a exportação de ideologias exóticas, quando não desandava em delírios coletivos e sonhos absurdos - tentando, por exemplo, produzir 10 milhões de toneladas de açúcar num minúsculo país à beira da bancarrota.
(...) Pois é, os russos. Ensinaram-nos, afinal, que a ilha de Fidel Castro não passava de uma disciplinada sucursal soviética no Caribe. E, soterrados por tantas falsas lições, anestesiados pela propaganda habilmente dirigida, muitos de nós não pudemos aprender que Cuba era sobretudo um país entregue á construção de seu futuro, à elaboração de um socialismo essencialmente cubano.
Esta é uma das constatações inevitáveis ao cabo da leitura do livro de Escoteguy: no fim das contas, Cuba é um país cujo povo ousou assumir as rédeas de sua História - e a 90 milhas da Flórida - para moldá-la com suas próprias mãos. Empreitada difícil, por certo, como se percebe ao deparar-se com a cronologia dos vinte anos da Revolução Cubana que encerra o volume. Atentados terroristas, sabotagens de de variado calibre, um cerrado bloqueio econômico, ações de espionagem - nada, sequer uma invasão armada urdida e financiada pelos Estados Unidos, deixou de figurar no vastíssimo repertório de truques, trunfos e técnicas utilizados para impedir uma pequenina nação de definir seus rumos. E, no entanto, Cuba sobreviveu.
Sobreviveu, consolidou-se, e hoje ajuda a escrever a história de outros países - Angola, Moçambique, Etiópia.
(...) Ele [Escosteguy] esteve lá por todos nós, há tanto tempo proibidos de conhecer uma experiência que, seja qual for o seu desfecho, configura uma das mais fascinantes aventuras vividas pelo homem latino-americano.

E esta é a sua versão atualizada:

(...) A importação dos jalecos fabricados na ilha-presídio do Caribe resultou de uma ação tramada pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. São eles os responsáveis pela restauração parcial do regime escravocrata abolido em maio de 1888.
O acordo abjeto foi coisa do Planalto. A ditadura cubana agiu como comparsa. E os doutores despachados para o Brasil não tinham escolha: o regime comunista não oferece opções; ordena.  Muitos deles já abriram os olhos e sonham com a libertação, como a jornalista Yoani Sanchez
(...) Mas esses escravos voluntários não sabem o que dizem. Nem imaginam o que é a vida em liberdade. Nunca viram de perto uma democracia genuína. Nasceram e cresceram ouvindo em casa, na escola e nas reuniões do partido único a mesma lengalenga: habitam uma ilha governada por heróis, cercada de vilões capitalistas por todos os lados e sitiada por imperialistas ianques dispostos a tudo para impedir a inauguração do paraíso socialista.
A maioria logo vai compreender que o inferno é lá. 

Lendo os dois textos, a pergunta inevitável é: quem mudou tanto, Augusto Nunes ou Cuba?




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