Os bons e velhos especuladores

O sistema econômico em que vivemos, diz o mantra de seus ideólogos, dá oportunidade a que todos prosperem. A propaganda sobre as virtudes do capitalismo é toda feita em cima da tal "livre iniciativa", essa panaceia que permite que um joão ninguém (John Doe, no original inglês) se cure dos males da pobreza graças aos seus esforços e se transforme num fornido "empreendedor" - outra palavra mágica que sustenta as maravilhas deste mundo perfeito.
Os propagandistas do capitalismo são assim mesmo, levando ao pé da letra os conselhos do ex-diplomata e  ministro do governo FHC Rubens Ricúpero, que não teve escrúpulos em proclamar ao seu entrevistador, julgando-se no sigilo dos microfones desligados, uma sentença síntese dessa turma: "Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde."
Pois é. O nosso querido, bom e velho capitalismo está cheio desses dignificantes exemplos morais.
Esse tipo de atitude, digamos, ricuperiana, de esconder o que é ruim e mostrar apenas o que é bom, está no dia a dia das nossas relações.
Vejam só o exemplo do vendedor de carro, novo ou usado, tanto faz.
Alguém conhece algum deles que não esconda o que é ruim na mercadoria que procura passar adiante?
Temos ainda o corretor de imóveis, o vendedor de seguros, a poderosa empresa de telefonia, o onipresente banco, a rede de supermercados...
Todos eles respeitáveis e dignos participantes da roda da economia, que não para de girar, de proporcionar a nós, o zé povinho, aquele tanto de felicidade por fazermos parte dessa colmeia extraordinária, nascida à imagem do deus perfeito.
Todos eles mostrando o que é bom e escondendo o que é ruim...
As notícias mais frescas nos dizem que o preço do tomate está caindo, depois de ir à estratosfera.
Dizem ainda que a inflação do mês passado foi menor que a de fevereiro e a de janeiro - mas as manchetes dos jornalões enfatizam que ela ultrapassou a meta estabelecida pelo governo.
É preciso mostrar o que é bom e esconder o que é ruim.
Nesse caso, neste momento, para uma determinada turminha, bom é que a inflação volte a subir e o tomate fique mais caro que o ouro.
Assim eles poderão continuar insistindo em pedir que os juros aumentem.
Assim, seu lucro, esse notável motivador de todas as ações deste nosso universo capitalista, crescerá, sem nenhum esforço, sem nenhum trabalho adicional.
Essa turminha é de lascar.
Merece respeito, pois afinal forma um dos grupos mais fortes e influentes do capitalismo.
Atende por inúmeros nomes, mas um deles resume o que fazem, a velha e boa especulação.
São, portanto, os especuladores.
Incansáveis, imprescindíveis.