segunda-feira, 8 de abril de 2013

Massacre do Carandiru: chance para a reflexão


Um dos episódios mais vergonhosos da história do Brasil, que ficou conhecido como "Massacre do Carandiru", volta à cena hoje, quando começa o julgamento dos acusados pela morte de 111 detentos na Casa de Detenção do Carandiru. Os trabalhos do júri popular vão se realizar no Fórum da Barra Funda, em  São Paulo. O juiz designado para o caso é José Augusto Nardy Marzagão, da Vara do Júri de Santana.
Devido ao grande número de réus envolvidos, o julgamento será feito em etapas. A previsão é que a primeira dure entre uma e duas semanas. Na primeira fase, 26 réus serão julgados (seriam 28 policiais, mas dois deles já morreram), aos quais são imputadas 15 acusações de homicídio qualificado. Serão julgados, no total, 79 policiais militares.
O maior massacre do sistema penitenciário brasileiro ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos e 87 ficaram feridos durante a invasão policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Presídio do Carandiru, na capital paulista, já desativado. Três prédios do complexo foram demolidos para construção de um parque. Os outros vão abrigar centros educacionais.
Os réus que estarão sendo julgados são os policiais militares que entraram no segundo pavimento do presídio, onde foram mortos 15 detentos. O julgamento dos demais réus ainda não foi marcado, mas prevê-se que ainda haverá mais cinco ou seis blocos de julgamento. A expectativa é que novos julgamentos sejam marcados a cada três meses. O processo é um dos maiores da Justiça de São Paulo, com 57 volumes de autos principais e mais de 90 apensos, além dos documentos de autos desmembrados, perfazendo um total de mais de 50 mil páginas.
O promotor titular do caso, Fernando Pereira da Silva, disse à "Folha" que "o importante é que não se trata de um julgamento da PM do Estado de São Paulo; não é a instituição, que sempre foi nossa parceira, que está sentada no banco dos réus: falamos de policiais e ex-policiais que violaram a lei, e, por isso, estão sendo julgados".
Um dos promotores, Márcio Friggi, completou:  "Muita gente na sociedade ainda entende que bandido bom é bandido morto. De nada adianta vai adiantar todo um conjunto probatório se os jurados julgarem com base nessa linha".
O médico Drauzio Varella, integrante da equipe médica do presídio à época, autor do best seller "Estação Carandiru", acha que o julgamento não ajudará a fazer Justiça. Para ele, o massacre foi um marco na história do sistema penitenciário do Estado, ao promover mudanças de gestão, mas não ajudou a recuperar os presos para a sociedade.
"Os principais implicados nessa história toda estão fora de qualquer tipo de punição. Estão livres. Pergunto: quem é o culpado? Quem foi que disse: "Invada"? Afirmar que o coronel Ubiratan tomou essa decisão por conta própria é abusar da inteligência da gente. O coronel recebeu ordem de alguém, esse é o verdadeiro responsável e, infelizmente, nunca vai ser identificado. Nem tem mais como se fazer justiça – será que se esses policiais vão levar a culpa por toda essa tragédia engendrada lá atrás por alguém que se escondeu no anonimato?"
O coronel Ubiratan (Guimarães) a que se refere Drauzio Varella foi a única pessoa julgada e condenada criminalmente pelo massacre. Com a fama que conquistou, ele se candidatou a uma vaga de deputado estadual e alcançou a suplência em 1997 – usando o número "111", e cinicamente negando que ele tivesse relação com o massacre. Em 2001, o policial foi condenado em júri popular pela morte de 102 dos 111 presos. Foi condenado a 632 anos de prisão, mas com direito a recorrer da pena em liberdade.
Em 2002, se elegeu deputado estadual com pouco mais de 50 mil votos novamente com o "111" na cédula. Beneficiado pelo foro privilegiado da condição de parlamentar, em 2006, ano em que preparava a reeleição, acabou sendo absolvido pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu que o policial agiu, durante a rebelião, no "estrito cumprimento do dever legal".
Meses depois, no dia  9 setembro de 2006, o coronel foi assassinado a tiros em seu apartamento nos Jardins, área nobre de São Paulo. Acusada pelo assassinato, a namorada do coronel, a advogada Carla Cepollina, acabou absolvida em júri popular por falta de provas.
O julgamento é, portanto, uma excelente oportunidade para que a sociedade reflita sobre o gravíssimo problema da segurança pública e sobre o sistema carcerário no Brasil - e especialmente, no Estado de São Paulo.
Além disso servirá para analisar os métodos usados pela Polícia Militar para cumprir as suas atribuições.
Infelizmente, como é notório, nada mudou na instituição, que continua agindo como se estivesse acima das leis, como um organismo à parte do Estado de direito, um detrito da ditadura militar que flutua sobre a sociedade, com seu próprio código de conduta, pelo qual se encarrega ele mesmo de julgar, condenar e executar suas sentenças - quase sempre as de morte.

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