terça-feira, 4 de setembro de 2012
Brasil aumenta ajuda aos pobres
Reproduzo abaixo reportagem da Deutsche Welle sobre algo que a imprensa nativa praticamente desconhece: o aumento da ajuda humanitária brasileira aos países subdesenvolvidos.
O interesse dos alemães sobre o assunto nada mais é que o reflexo da importância internacional que o Brasil vem adquirindo nesses últimos anos, na mesma proporção em que esse excepcional trabalho da diplomacia é desprezado em seu próprio país. Aí vai a matéria:
Brasil eleva ajuda humanitária
de olho em maior projeção internacional
Nos últimos dez anos, com uma economia mais forte e mais estável, o Brasil vem aumentando sua participação em projetos de ajuda humanitária internacional. Além da doação de alimentos, o governo brasileiro também vem investindo em programas de parceria para estimular a produtividade agrícola e o desenvolvimento rural e vem atuando em missões de paz no Haiti e na Síria.
Há pouco mais de uma semana, o Programa Alimentar Mundial (PAM) divulgou que o Brasil subiu para o 9º lugar no ranking dos países que mais doam alimentos no mundo, com repasses que chegaram a 74,6 milhões de dólares apenas entre janeiro e agosto deste ano. O montante já é maior que o registrado em todo o ano passado, quando as doações de alimentos somaram 70,5 milhões de dólares. O Brasil fechou 2011 no 12º lugar no ranking – ainda liderado, de longe, pelos Estados Unidos.
"Não há dúvidas de que o Brasil tem cada vez mais um papel importante no cenário mundial não só na assistência humanitária, mas também em outras áreas, como saúde global, segurança internacional e participação em organizações multilaterais, como a ONU", ressalta o diretor-executivo da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Brasil, Tyler Fainstat, à DW Brasil.
Em 2010, o governo brasileiro divulgou um balanço da Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (Cobradi) mostrando que, entre 2005 e 2009, o Brasil contribuiu com R$ 3,2 bilhões. Desse total, 76,5% – ou seja, R$ 2,46 bilhões – corresponderam a contribuições para organismos internacionais e a fundos multilaterais de desenvolvimento, como a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), do Banco Mundial, o Fundo de Operações Especiais (FOE), do BID, e o Fundo Africano de Desenvolvimento (FAD). Os outros 23,5% do total, ou R$ 755 milhões, foram para os chamados projetos de cooperação técnica e ajuda humanitária, cujos repasses cresceram vertiginosamente nos últimos anos.
Em 2005, por exemplo, o Brasil disponibilizou R$ 1,5 milhão em assistência humanitária. Quatro anos mais tarde, essa contribuição saltou para R$ 87 milhões. O dinheiro aplicado em cooperações técnicas – nas quais há o apoio do governo a projetos envolvendo empresas nacionais em outros países – também aumentou de R$ 35,1 milhões para R$ 97,7 milhões nesse mesmo período.
Combate à fome
Um dos principais projetos de ajuda humanitária brasileira no exterior é o Programa de Aquisição de Alimentos na África (PAA-África). O programa leva a experiência brasileira com o PAA para cinco países africanos – Moçambique, Malawi, Etiópia, Níger e Senegal –, escolhidos em parceria com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O órgão é comandado pelo brasileiro José Graziano, ex-ministro de Combate à Fome.
De acordo com diplomata Milton Rondó, chefe da coordenação-geral de Ações Internacional de Combate à Fome do Itamaraty, o Brasil transmite aos africanos a sua experiência em organizar a compra da produção da agricultura familiar, que posteriormente abastece creches, asilos e escolas. No Brasil o projeto garante 47 milhões de refeições escolares gratuitas diariamente. "É o maior programa de alimentação escolar do mundo", afirma Rondó. Segundo o diplomata, a África, especialmente Moçambique, e o Haiti são os principais focos dos programas brasileiros de assistência humanitária, e o Brasil está especialmente engajado em programas de combate à fome.
Interesses econômicos
Apesar de apoiarem uma maior participação do Brasil em projetos humanitários, ONGs do setor dizem que ainda há muita confusão no que diz respeito à divulgação de dados, até porque há muitos órgãos envolvidos nos programas. "Não é fácil entender a assistência internacional humanitária do Brasil", reclama Fainstat. "Queremos entender qual vai ser o impacto dos países emergentes no cenário mundial da ajuda humanitária, e como podemos influenciar as agendas e atuação de ajuda humanitária desses países", completa.
A diretora-executiva da Organização em Defesa dos Direitos e Bens Comuns (Abong), Vera Maragão, elogia o PAA-África, mas ressalta que é fundamental que, além de ajudar, o Brasil garanta que as populações beneficiadas também possam um dia tornarem-se independentes da ajuda. "É necessário ficar de olho para que de fato isso siga um caminho inovador, que promova mudanças positivas, que não seja mais do mesmo. Como se o Brasil agora tivesse pulado para o lado dos ricos e passasse a fazer a mesma coisa que os ricos faziam, impondo uma dominação colonial aos países mais pobres", avalia.
Fainstat destaca ainda que a grande preocupação é que as doações feitas pelo Brasil correspondam às principais demandas nos países mais necessitados. Segundo ele, não é sempre assim entre os países doadores. "Às vezes há populações que são mais negligenciadas. Queremos que o Brasil realmente se norteie pela necessidade e não por motivações políticas".
Rondó garante que os países beneficiados com programas brasileiros geralmente são indicados pela ONU ou são selecionados a partir de pedidos enviados pelos próprios países às embaixadas brasileiras.
De olho na ONU
Para Maragão, o governo brasileiro precisa garantir que, especialmente nos projetos de cooperação técnica, os interesses econômicos não se sobreponham aos sociais, os diretos humanos estejam sendo respeitados e o meio ambiente, preservado. Em nota de setembro do ano passado, a Abong critica o "interesse estritamente econômico" na abertura de mercados para empresas brasileiras no exterior, por exemplo, e afirma que a projeção internacional do país também responde a motivações políticas.
"O governo nacional almeja ampliar seu poder de influência nas decisões mundiais: pleiteia assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a chefia da Organização Mundial do Comércio. Para esses fins, o apoio dos países do hemisfério sul ao Brasil é crucial e, reciprocamente, a intervenção brasileira nas negociações internacionais pode ser decisiva para que esses países, em bloco, consigam reverter condições desvantajosas a que ficam relegados nas disputas econômicas e políticas", afirma a nota.
A Abong ressalta ainda que a ONU e o Mercosul são os organismos que ficaram com a maior parte dos recursos da cooperação internacional brasileira entre 2005 e 2009, R$ 1,3 bilhão. No caso da ONU, onde o Brasil pleiteia um assento permanente no Conselho de Segurança, a contribuição se dá pela participação em operações de paz e acolhimento de refugiados. Fato é que os programas têm dado uma visibilidade maior ao Brasil em âmbito internacional.
Ao visitar o país, em abril deste ano, a vice-secretária-geral para Assuntos Humanitários da ONU, Valerie Amos, elogiou a participação brasileira em projetos de assistência humanitária e disse que o país tem muito a compartilhar sobre sua experiência com prevenção a desastres e a segurança alimentar.
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