terça-feira, 28 de agosto de 2012

O dedo-duro está com tudo


Não entendo quase nada dessa disciplina chamada Direito. Sei apenas que as leis fazem parte de toda sociedade civilizada e que o sistema judiciário é tão importante para a saúde das nações quanto, por exemplo, boas escolas, moradias e transporte público decentes ou bastante emprego.
Sem juízes em quem confiar, sem que os cidadãos saibam o bê-a-bá da máquina da Justiça, não há democracia nem perspectiva de construção de um país moderno.
Essas coisas me vieram à cabeça depois de ver os rumos que o julgamento do caso do tal mensalão está tomando.
Ontem, segunda-feira, em mais uma das intermináveis sessões do Supremo Tribunal Federal, houve o caso de um ministro que quis condenar um sujeito que nem fazia parte do processo e outro que, segundo li, inverteu o ônus da prova, ou seja, condenou o réu porque ele não soube provar que não cometeu o crime.
Ora, se tais barbaridades realmente aconteceram nesse que é definido pelos jornalões como o mais importante julgamento da história, o que se há de pensar sobre outros casos julgados pelos notáveis magistrados do Supremo que não têm nem um milésimo da cobertura da imprensa, ou dos quais simplesmente ninguém, a não ser os envolvidos, toma conhecimento?
Desde criança - e isso já faz muito tempo - ouço dizer que o ônus da prova cabe ao acusador.
Sempre achei que essa fosse uma regra de ouro do Direito, justamente para evitar que a força da fofoca, dos boatos, da maledicência, da calúnia, da difamação ou da injúria se sobrepujasse aos fatos.
Sempre achei que o mundo estivesse longe da época em que acusar uma pessoa de ser uma bruxa bastava para enviá-la à morte: se resistisse às torturas, isso era uma prova de sua condição maléfica; se confessasse para se livrar das dores, estaria também se condenando.
Imputar o ônus da prova a quem acusa, se não garante um julgamento 100% justo, pelo menos equilibra a balança da Justiça, já que não basta um Roberto Jefferson da vida dizer que José Dirceu é chefe de uma quadrilha: ele, pelo menos é o que supunha, teria de levar ao Ministério Público as provas de que quem acusou é um criminoso. Se não fizer isso, o criminoso passa a ser o acusador, por falso testemunho.
Quando, porém, um ministro do Supremo, um sujeito que, teoricamente, estudou e se dedicou a vida inteira para chegar onde chegou, afirma que o ônus da prova agora cabe ao acusado, a nossa cabeça entra em parafuso e a gente se interroga se essa nova regra da Justiça vai valer para todos de agora em diante ou se ela será adotada apenas nesse julgamento do tal mensalão.
Se a resposta for a segunda opção, significa que o STF realmente, como muitas pessoas já suspeitavam, transformou o julgamento numa pantomina para agradar a determinados setores da sociedade que já condenaram os réus do processo por motivos político/ideológico/eleitorais.
Se a resposta for a primeira alternativa, quer dizer que agora todo o país está convidado a exercer livremente o mais elementar e vil dedo-durismo, sob as mais variadas justificativas.
Sem alarde, ao acolher, de modo tão entusiasmado, a palavra de um reles delator, o Supremo Tribunal Federal inaugura uma nova era na república brasileira, a da infâmia.
Como se vê, esse processo do tal mensalão está mesmo dando frutos.

Um comentário:

  1. Motta, estava eu pensando mais ou menos a mesma coisa. Que um bando (literalmente) fique vociferando via imprensa ou redes sociais para ter a cabeça dos acusados sem provas convincentes é triste; que a mais alta corte de Justiça do País comece a condenar com base em opiniões e não em fatos comprovados é perigoso para o Estado de direito e para a democracia. Até onde sei, Collor se safou por falta de provas. É lamentável, mas é preferível isso à execução sumária pelo carrasco de plantão. Houve críticas para os 21 anos de cadeia a que foi condenado aquele doido da Noruega, mas isso é o que diz a lei daquele país, que prevê esse tempo máximo de prisão - período que pode ser prorrogado indefinidamente. É a lei. Sou do tempo que, se a lei não serve, deve ser mudada seguindo os ritos previstos e não sendo injuriada por quem mais deveria defendê-la.

    ResponderExcluir