terça-feira, 12 de junho de 2012

O Estadão, surdo e mudo


Fiquei sabendo outro dia que o Estadão demitiu todas as telefonistas e acabou com o serviço "ao vivo". Quem não conhece as sutilezas do trabalho jornalístico pode não dar muito importância à medida, creditá-la ao "progresso" ou mesmo achar que ela beneficia a empresa, pois corta custos - e, como reza a cartilha dos entendidos em administração, reduzir despesas é sempre salutar.
Acontece, porém, que o jornalismo não é uma atividade como outra qualquer. Os jornalistas, por exemplo, são requisitados, quase sempre, a contatar a fauna mais variada que existe. Num plantão, um repórter que cobre, digamos, política, pode precisar conversar com uma autoridade da área médica, ou policial, ou repercutir uma notícia econômica. E mesmo com a facilidade que hoje as assessorias de imprensa proporcionam, às vezes a situação se complica. São poucos os profissionais que têm uma agenda telefônica eclética o suficiente para atender a todas as emergências.
No Estadão, quem resolvia essas paradas eram as telefonistas. Algumas estavam no jornal havia décadas, conheciam os repórteres como se fossem de sua família. Não só quebravam um galho, mas davam um suporte extraordinário ao trabalho cotidiano.
Mas isso foi no tempo em que o Estadão era um jornal, fosse qual fosse a sua linha editorial/ideológica. Hoje é apenas uma empresa controlada por banqueiros - e não se pode esperar dessa gente nada mais, nada menos que decisões como essa de demitir telefonistas - dias antes, uma das mais eficientes secretárias do jornal havia sido dispensada sob a alegação de que era "a mais antiga"...
Muitos anos atrás, uma outra demissão coletiva deixou os jornalistas do Estadão igualmente tristes - a dos ascensoristas, que faziam também as funções de um serviço de informação para os visitantes. Como desta vez, a empresa deve ter economizado alguns tostões.
Com a informatização da redação, no início da década de 90, mais de 100 revisores foram para a rua e um número igualmente enorme de gráficos - os pastups, que montavam as páginas que iam ser fotolitadas.
O fim da revisão aumentou o trabalho dos redatores - ou copidesques - e o número de erros no jornal. Os leitores perceberam que algo estava errado e não perdoavam - as queixas via telefone eram constantes, dava uma canseira enorme justificar as bobagens que passavam nos textos.
Agora, sem as telefonistas, vai ser mais difícil para o público conversar com os jornalistas. A internet talvez supra essa lacuna, mas nunca vai ser a mesma coisa. Um e-mail pode ser apagado, pode ficar sem resposta, mas nunca vi um colega desligar o telefone na cara de um leitor, por mais chato que ele fosse.
A impressão que fica para quem está fora da empresa é que medidas como essa, junto com os tantos "passaralhos" que têm sido feitos na redação, indicam que o centenário jornal enfrenta dificuldades financeiras mais sérias que se possa imaginar.
Ou então que seus atuais controladores preparam a empresa para uma negociação - os boatos sobre isso são recorrentes.
Seja lá o que aconteça, porém, é muito estranho que uma empresa de comunicação tome uma atitude para dificultar a comunicação com o seu público.
São essas coisas que mostram o nível da imprensa brasileira, se não a mais atrasada do mundo, certamente uma das mais antidemocráticas, reacionárias e amadoras que existem.

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