sábado, 19 de maio de 2012

O Brasil e a África


As mudanças empreendidas pelo ex-presidente Lula na diplomacia brasileira, com foco nos países do Hemisfério Sul e abertura de mais canais comerciais, receberam muitas críticas de gente saudosa do tempo em que nosso chanceler era revistado - até o sapato tirava - se quisesse entrar nos Estados Unidos.
A estratégia, porém, parece que deu certo. Não fosse a diversificação do comércio, por exemplo, o Brasil estaria hoje em situação bem difícil, pois a crise econômica tem feito estragos profundos justamente naqueles que eram os parceiros prioritários do país, os EUA e a União Europeia.
Um dos lances mais ousados do xadrez diplomático brasileiro foi se aproximar da África, que era, até então, o continente esquecido por todos, uma imensa porção de terra, de grande riqueza cultural e enorme potencial econômico, que até então era relegada aos últimos dos nossos interesses.
Lula resolveu apostar que uma aproximação com os países africanos poderia ser ótimo para eles e para o Brasil. Teve ainda a percepção de que, se não buscasse a aproximação com os africanos, outros o  fariam. Deveria estar pensando nos chineses, que têm procurado ocupar tudo o que for possível no continente.
A imprensa brasileira dá pouca importância a esse tema. Está mais preocupada em achar um jeito de reduzir a permanência do PT no poder. Mas se ela pouco se importa com a inserção do país no cenário internacional, publicações de outros países têm percebido o que vem ocorrendo, caso da Deutsche Welle, a agência de notícias da Alemanha.
"Brasil intensifica a cooperação com a África" é o título da reportagem em seu site, que está reproduzida abaixo, na íntegra:
África e América do Sul – durante muitos anos, os dois continentes tiveram pouco contato. Mas o Brasil vem descobrindo oportunidades no continente africano, seja no comércio, investimentos, política ou diplomacia. 
A presença de empresas brasileiras na África salta aos olhos. Só em Moçambique, a mineradora brasileira Vale já investiu mais de 1,7 bilhão de dólares na extração de carvão na província de Tete. Em Angola, a semiestatal Petrobras explora petróleo e a empresa privada Odebrecht constrói estradas e prédios de escritórios. 
Também o comércio entre o Brasil e a África cresceu nos últimos anos. Entre 2006 e 2011, o volume do comércio bilateral duplicou de 13 para 25 bilhões de dólares. No entanto, observando com maior atenção, outras regiões no mundo tiraram proveito semelhante do crescente comércio brasileiro. Além disso, a presença brasileira na África se concentra numa das maiores economias do continente, a Nigéria, e em países onde se fala o português, Angola e Moçambique. 
Para aumentar o comércio e os investimentos no continente africano, seria necessário mais financiamento estatal, diz o sociólogo alemão Gerhard Seibert, que trabalha no Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa ISCTE: "Sabemos que, no caso da China, são principalmente empresas estatais que fazem exportações e investem, com a ajuda do Exportbank. Neste campo, o Brasil e a América Latina ainda têm espaço e potencial de desenvolvimento". 
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, concorda. Segundo ele, o financiamento é crucial para aumentar a cooperação econômica. Por isso, ele quer se engajar junto ao governo brasileiro por mais linhas de crédito.
O comércio com a África não é livre de controvérsias. Por exemplo, a exportação de frango congelado barato pelo Brasil é criticada por prejudicar os produtores locais. 
Mas, em geral, a cooperação com o Brasil é recebida de forma muito positiva na região. E isso também graças à ajuda brasileira ao desenvolvimento, que tem aumentado significativamente nos últimos anos. 
A abordagem brasileira na cooperação para o desenvolvimento é claramente diferente do projeto de ajuda europeu, diz Seibert. Segundo ele, o Brasil não presta assistência financeira e não contribui para o orçamento dos países parceiros. Diferentemente da China, o Brasil não financia grandes projetos de infraestrutura.
Em vez disso, o Brasil investe na "medicina tropical, na agricultura tropical, na educação e no desenvolvimento social, em programas que tiveram grande sucesso no próprio país", destaca Seibert. 
A nação sul-americana concentra, sobretudo, a sua ajuda em setores onde os parceiros africanos têm carência e em áreas que os brasileiros já têm experiência, diz Seibert: "Nesse caso, já se tem à mão o que é necessário para fomentar o desenvolvimento nos países africanos". 
Além disso, o Brasil promove bem o seu projeto de cooperação. Em São Tomé e Príncipe, por exemplo, há cursos de capoeira para jovens desfavorecidos. O Brasil apresenta-se como um parceiro confiante e preocupado com os interesses africanos.
O dinheiro investido na área da cooperação para o desenvolvimento é, no entanto, muito pouco, ressalta Gerhard Seibert: "A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), por exemplo, que é estatal, trabalha com um orçamento equivalente ao de uma ONG europeia". 
Em uma viagem ao Quênia, em 2010, o ex-presidente Lula da Silva falou, claramente, sobre as áreas em que os africanos poderiam aprender com os sul-americanos: "A savana africana tem o mesmo potencial agrícola do cerrado brasileiro. Os empresários brasileiros sabem que, há 40 anos, quem passava de carro em uma estrada perto do cerrado falava: ‘essa terra não presta para nada porque nem árvore cresce!', e com um pouco de tecnologia nós transformamos o cerrado no maior celeiro de grãos do mundo. Na savana africana pode acontecer o mesmo". 
Ambientalistas, no entanto, não pensam assim, já que a biodiversidade foi destruída em milhares de quilômetros quadrados para dar lugar a monoculturas de soja no Brasil. 
"Não há provavelmente outro chefe de Estado que durante seu mandato tenha visitado tantas vezes os países africanos", diz Gerhard Seibert, referindo-se a Lula. Segundo o especialista, o ex-presidente foi crucial para a aproximação dos dois continentes: "Em oito anos, ele esteve 12 vezes na África e visitou 31 países. Quando ele chegou ao poder, em 2003, o Brasil tinha 17 embaixadas na África. Agora, já há 37 representações diplomáticas". 
No campo diplomático, o Brasil está agora ao mesmo nível de países como a Alemanha. Também com segundas intenções, pois, tal como a Alemanha, o Brasil é candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aí é importante ter boas relações com a África para conseguir maiorias que permitam uma reforma desse gênero da ONU.

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