O grande Ariano Suassuna costuma, sempre que pode, citar Machado de Assis, que costumava separar o Brasil em dois, o oficial e o real. Para Suassuna o que vale, na arte, na cultura, em todas as atividades, é o Brasil real, não o oficial das medalhas e da burocracia, das leis que não se cumprem, dos gabinetes bem mobiliados e das mais cínicas mentiras.
Quando leio as notícias dos jornais, sempre me lembro dessa distinção. A maioria das coisas que lá está nas páginas faz parte desse Brasil de mentirinha, existe apenas na imaginação de uns tantos que vivem um mundo à parte do nosso, pobres cidadãos comuns.
Um dos exemplos mais acabados disso é a economia. São tantos índices de inflação que saem todos os dias - inflação da classe média, dos velhos, dos pobres, das famílias, dos solteiros, dos altos, dos magros - que é impossível saber qual deles é o certo, qual deles se aproxima mais da realidade, qual deles é capaz de refletir o aumento de preços do Brasil real.
Outra coisa é essa história da taxa de juros. Existe a oficial, que deveria balizar todas as milhares de outras do Brasil real, chamada Selic, que está agora em 9,75% ao ano e vem caindo a cada nova reunião do Copom.
E daí, o que isso significa para o povo?
Por enquanto, nada, absolutamente nada.
Basta verificar o que o Procon de São Paulo informa sobre o quanto os bancos estão cobrando de juros de seus clientes: pesquisa do órgão detectou em 1º de março alta de 0,01 ponto percentual na taxa média de juros de cheque especial, passando de 9,53% ao mês para 9,54%. Com relação ao empréstimo pessoal, não houve alteração, mantendo a taxa média em 5,87 ao mês. A pesquisa foi feita no Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú, Safra e Santander.
Para a assessora técnica da Diretoria de Estudos e Pesquisas do Procon, Cristina Rafael Martinussi, o resultado da pesquisa continua indicando que o mercado financeiro está mantendo a cautela, apesar dos sucessivos cortes da Selic. “Apesar da redução da taxa Selic, as taxas de juros do Brasil continuam as mais altas do mundo. Portanto, o consumidor deve manter a cautela e verificar a real necessidade na contratação de um empréstimo. A falta de planejamento, a impulsividade na hora de consumir e a facilidade de contratação levam, muitas vezes, o consumidor a solicitar um empréstimo sem necessidade ou a assumir dívidas que comprometem o seu orçamento”, diz ela em nota do órgão.
A cada reunião do Copom as caixas do correio eletrônico dos jornalistas se enchem de releases de gente comentando a medida. Duas pessoas não falham, são as primeiras a mandar a "análise" da decisão, dizendo sempre a mesma coisa, ou que o corte dos juros foi tímido, ou que o aumento foi desnecessário: o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical, e Paulo Skaf, presidente da Fiesp. Nenhum jornalista liga mais para o que os dois falam - viraram figuras folclóricas.
Recentemente, Paulinho e Skaf, junto com outros sindicalistas e empresários, lançaram um movimento em defesa da indústria nacional, que, entre outras coisas, pede que o governo baixe ainda mais os juros. Tudo certo, a reivindicação é justa.
Só que esses dois expoentes do capital e do trabalho se esqueceram de incluir o Brasil real no seu pedido. Sugiro a eles dedicarem uma parte de seu esforço para convencer os banqueiros a também reduzir os juros que cobram - esses sim abusivos, extorsivos, absolutamente indecentes.
É fácil, cômodo e rende manchetes nos jornalões ficar culpando o governo federal por tudo de errado que existe por aqui.
Mas quero ver se essa turma mostra a mesma coragem para peitar quem faz as regras, quem manda no Brasil real. Aí, garanto, o jogo é mais duro e só entra nele quem, como diz a sabedoria popular, tem muito culhão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário