terça-feira, 2 de agosto de 2011

Uncle Sam passa o chapéu


O site da Deutsche Welle traz uma matéria interessante e bastante didática sobre a crise americana. Vale a pena reproduzí-la na íntegra, pois quem não acompanhou o noticiário dos últimos dias pode ficar com a impressão de que agora o problema todo foi resolvido e o mundo pode respirar enfim tranquilo.
A verdade não é bem essa. O acordo a que chegaram republicanos e democratas é absolutamente transitório, tem data de vencimento, e o desgastante processo a que foram submetidas as lideranças políticas americanas é apenas a ponta do iceberg: a luta pelo poder continua aberta e deve ainda fazer muitas vítimas, a principal delas o presidente Barack Obama.
No fundo, a demonstração de força do Tea Party e da oposição republicana em geral visa tão somente a próxima eleição presidencial. O problema é que cada lado pode dizer que saiu ganhando nesse cabo de guerra, ou, no mínimo declarar que o jogo terminou empatado - Obama e os democratas conseguiram evitar a catástrofe; o Tea Party e os republicanos, a elevação dos impostos dos ricos.
O que todo mundo se esquece de dizer é que o grande perdedor foram os Estados Unidos, que viram toda a sua fragilidade fiscal, todo o seu imenso desequilíbrio econômico serem expostos para o planeta inteiro.
Depois desse episódio, fica cristalino que a decadência do império americano se dá não em passos largos, mas em desabalada corrida.
E a história mostra que, quando esse processo se inicia, não há como interrompê-lo. Principalmente quando o competidor, ou o rival, é alguém tão grande e com tanto apetite quanto a China.
A seguir, a íntegra da matéria da Deustche Welle, "EUA evitam calote, mas enfrentam perda de credibilidade": 

Algumas horas farão a diferença entre a salvação e o calote na história dos Estados Unidos. Nesta terça-feira, o Senado deve aprovar o acordo que aumenta o teto da dívida do país para US$ 14,3 trilhões – apenas algumas horas antes de a capacidade de empréstimo do Tesouro se esgotar. A elevação do valor da dívida deve ser suficiente para que os Estados Unidos não estourem a conta pública até novembro de 2012, quando acontecem eleições presidenciais. E assim chega ao fim o debate intenso entre os partidos, que paralisou Washington por semanas e trouxe nervosismos aos mercados financeiros do mundo todo – já tensos devido à fraca economia americana e à crise da dívida pública na Europa.
A votação no Senado deve ser menos dramática do que a sessão na Câmara dos Representantes na segunda-feira. Apesar de todo o protesto prévio, o plano foi aprovado por 269 deputados – eram necessários 216 votos. Outros 161 votaram contra.
Para muitos especialistas, o pior legado desta batalha é a polarização no Congresso americano. A dificuldade em se chegar a um acordo que evitasse o calote, fato que prejudicaria qualquer cidadão do país, independente de sua orientação política e renda, dá indicações de uma grande disfunção.
Um fator de grande significado que influenciou a paralisia do órgão foi um grupo de legisladores republicados na Casa dos Representantes afiliado ao chamado Tea Party, um movimento conservador no tocante a assuntos fiscais.
O grupo se opõe ferozmente a qualquer tipo de aumento de impostos e do orçamento, e também demonstra grande desconfiança nas "normas e tradições, no partido da oposição e seus líderes, nos grandes bancos, nas elites e pessoas que gerenciam o país e a economia", comenta Stu Rothenberg, analista político americano apartidário.
No Congresso, 60 legisladores são associados ao Tea Party, o que corresponde a um nono dos votos da casa. No entanto, eles conseguem parar a discussão política em Washington porque na Câmara dos Representantes são suficientes para bloquear o plano de limite da dívida que incluía aumento de impostos.
O presidente americano Barack Obama pretendia negociar um grande acordo para cortar cerca de US$ 4 trilhões em custos e equilibrar as contas do país – além de acabar com a burocracia, o desperdício e as armas desnecessárias, mas com grande proteção social.
Mas o que saiu não foi bem o que o presidente desejava. Em vez dos US$ 4 trilhões, apenas US$ 1trilhão foram cortados, embora a lei diga que US$ 1,5 trilhão ainda possam ser economizados. Uma comissão foi criada para recomendar outros cortes no orçamento. Mas se esse grupo não encontrar soluções, serão automaticamente diminuídos gastos nas áreas militar e social.
Obama também precisa lidar com a derrota em outro tema: aumento de impostos. O presidente pretendia criar uma lei que obrigasse empresários, gerenciadoras de fundos e a indústria do petróleo a desembolsar mais. Mas a discussão voltou a sair da pauta.
Na China, a opinião é que o débito americano continua uma ameaça à economia global, dizia a manchete do principal jornal oficial, "People´s Daily". Como maior credor dos Estados Unidos, o país asiático pediu repetidamente que Washington protegesse os investimentos em dólares, que correspondem a 70% dos US$ 3,2 trilhões das reservas internacionais chinesas.
Na opinião do jornal, a credibilidade do Tesouro americano está sendo prejudicada desde o início da crise imobiliária, mas outras economias continuam sem opção à dependência do dólar.
Frederick Kempe, presidente do Atlantic Council, "think tank" com base em Washington, tem opinião semelhante. "Apesar de a ameaça de calote ter sido resolvida, muitos danos foram perpetrados. Uma parte da confiança nos Estados Unidos se perdeu, mesmo que as agências de rating não diminuam sua nota, os chineses e outros já o fizeram", comenta.
Para o especialista, os danos ainda serão sentidos a longo prazo, e demonstram uma fragilidade do mundo ocidental: "É uma crise dupla para o Ocidente, quando se considera também a crise na Zona do Euro".

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