quarta-feira, 27 de abril de 2011
Sinal vermelho
Nos mais de 35 anos em que dirijo, recebi poucas multas de trânsito. Umas dez, mais ou menos. Algumas por excesso de velocidade - 80 km/h em lugar que só 70 km/h eram permitidos; 110 km/h no trecho da estrada que permitia 100 km/h -, outra por furar o rodízio municipal, mais uma por estacionamento proibido - coisas desse tipo, que não isentam de culpa o motorista, mas não configuram, propriamente, um criminoso do volante.
O fato é que sou mesmo um motorista cuidadoso, daqueles que procuram respeitar a sinalização, guiam sempre a uma distância razoável do veículo da frente, dão preferência ao pedestre. Talvez seja assim porque não encontre prazer em dirigir, como muitas pessoas. Faço isso apenas porque sou obrigado, preciso do carro para me locomover nesta cidade em que o transporte coletivo é uma peça de ficção.
Ontem à noite, quando cheguei em casa, vi na mesa um envelope do DSV com uma multa "gravíssima", de 7 pontos, por não ter respeitado o semáforo vermelho. Lembrei imediatamente do ocorrido: ia trabalhar, o trânsito estava supertranquilo, me distraí um pouco e, quando vi, o semáforo avermelhava na minha frente; no reflexo, brequei, o carro parou no meio da avenida, olhei no retrovisor, vi que não havia veículo nenhum atrás, dei ré e fiquei esperando o semáforo abrir. Ou seja: não passei no vermelho. Poderia ter sido multado por outra coisa, mas não por isso.
Fiquei pensando se o sujeito que me multou por tão pouco é daqueles que realmente fazem o que devem fazer. Se for, palmas para ele, que deve ter estragado a festa de uns tantos motoristas que diariamente fazem dos seus veículos armas letais, abusando da sorte em manobras arriscadas e desnecessárias, prejudicando o já caótico trânsito da capital, e pondo em risco a vida de tantas pessoas.
Temo, porém, que o tal funcionário seja apenas mais um integrante de uma imensa burocracia que se contenta em bater o ponto e ver o tempo passar, seja em repartições públicas absolutamente desnecessárias, seja, como no seu caso, numa poluída e cinzenta avenida paulistana, a observar o rio de carros que corre em sua frente, de caneta na mão, tirando na sorte os números que vão contemplar a sua cota diária de penalidades.
A educação no Brasil, todos sabem, é um problema sério. A destruição do ensino no decorrer de décadas resultou em uma sociedade com sérios desvios éticos e morais. Aprofundou-se a noção de que o que vale mesmo é "levar vantagem" em tudo, desde furar a fila do supermercado até sonegar milhões de reais em impostos.
E não existe um lugar em que tal deformidade é mais explícita do que no trânsito selvagem das grandes cidades, onde todo o senso de urbanidade e de civilidade que seria natural nas pessoas se transforma numa cruel competição em que não há vencedores e apenas vencidos.
Seria bom demais que o zeloso funcionário que me multou fosse uma exceção capaz de compreender que o seu papel vai muito além de anotar as placas de motoristas faltosos - que ele é uma espécie de educador, uma espécie de agente capaz de botar um pouco de ordem nessa terra de ninguém.
Seria bom demais...
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