segunda-feira, 4 de abril de 2011
Livre pensar
Aos poucos, os últimos resquícios da ditadura militar vão desaparecendo da vida do país. Quem se lembra dos anos de chumbo certamente sabe o que foi viver sob o ufanismo simplório do "ame-o ou deixe-o", tempos em que o senso crítico era abominado e se pretendia construir uma nação idiotizada sob o lema da "ordem e progresso" - ordem, nesse caso, como resultado da imposição de um pensamento único, e progresso como sinônimo de riqueza para uns poucos.
O livre pensar era algo perigoso naquela época. Mais fácil era aceitar que a juventude fosse submetida a uma lavagem cerebral nas escolas, que dispensaram o ensino da filosofia em troca de uma disciplina chamada "educação moral e cívica", na verdade uma tosca propaganda das "virtudes" do regime ditatorial.
Pois bem, 47 anos depois de estar fora dos currículos das escola de ensino básico, a filosofia vai finalmente voltar para o conteúdo curricular. No ano que vem, as escolas da rede pública receberão pela primeira vez, desde a ditadura, livros didáticos da disciplina para orientar o trabalho dos professores. Em 2008, uma lei trouxe de volta a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias para os estudantes do ensino médio.
Em matéria da Agência Brasil, a professora Maria Lúcia Arruda Aranha diz que ensinava filosofia em 1971 quando a matéria foi extinta pelo governo militar. Hoje, é uma das autoras dos livros que foram selecionados para serem distribuídos aos alunos da rede pública pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
“Ela desapareceu na década de 70 e reapareceu como disciplina optativa em 1982. Mas, nesse meio tempo, eu continuava dando aula em escola particular. A gente ensinava, só que o nome da matéria não podia constar como filosofia”, lembra.
Maria Lúcia avalia que o país “demorou demais” para incluir as duas disciplinas novamente entre as obrigatórias e ainda falta “muito chão” para que elas sejam ministradas da forma adequada. Ainda faltam professores formados na área já que, por muito tempo, não havia mercado de trabalho para os licenciados e a procura pelo curso era baixa.
Em 2009, apenas 8.264 universitários estavam matriculados em cursos superiores de filosofia – para se ter uma comparação, os alunos de direito eram 78 vezes mais.
Muitas vezes são profissionais formados em outras graduações como história ou geografia que assumem a tarefa. Os livros didáticos devem ajudar a orientar os docentes no ensino da filosofia. “O livro é muito importante porque dá uma ordenação do conteúdo e propõe como o professor pode trabalhar os principais conceitos, como o que é filosofia e a história da filosofia. Mesmo o aluno formado na área, às vezes, não está acostumado a dar aula para o ensino médio, não tem dimensão de como chegar ao aluno que nunca viu filosofia na vida”, explica.
A história da filosofia, as ideias dos principais pensadores servem de base para ensinar aos jovens conceitos como ética, lógica, moral e política. Mas Maria Lúcia ressalta que é muito importante conectar o conteúdo com a realidade do aluno para que ele “aprenda a filosofar”.
“O professor deve apresentar o texto dos filósofos fazendo conexões com a realidade daquele tempo em que o autor vive, mas também estimular o que se pensa sobre aquele assunto hoje. Isso desenvolve a capacidade de conceituação e a competência de argumentar de maneira crítica. Ele aprende a debater, mas também a ouvir”, compara.
Provavelmente essa foi a causa da proibição do ensino de filosofia pelos militares. Afinal, uma pessoa que aprende a pensar por conta própria desde cedo, certamente vai se tornar um inimigo perigoso para aqueles que governam pela força e pelo medo.
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