terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Adeus, mano véio!


O espetáculo musical mais bonito que assisti não teve a participação de nenhuma orquestra com mil violinos regida por um maestro de cabelos esvoaçantes, nem a distorção de uma guitarra Fender Stratocaster cuspida por alto falantes de dez mil watts de potência a enlouquecer a multidão.
Longe disso. Foi num teatro tranquilo, com poltronas confortáveis, palco com uma discreta cenografia - e nele, músicos para lá de competentes que davam o melhor apoio do mundo aos irmãos José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, e Ranulfo Ramiro da Silva, o Xavantinho, craques sem igual em descrever em sons um mundo idílico que não existe mais.
Naquele show, Xavantinho já se apresentava sentado, pois sofria as sequelas de um acidente automobilístico que não o impedia, porém, de compor lindas canções, cantar e tocar violão com uma sensibilidade muito além do normal.
De pé, com sua inseparável viola, Pena Branca completava a dupla que revitalizou na música popular brasileira o gênero caipira, tão desprezado por parte do público urbano, que o confunde com o sertanejo abastardado - e tão importante para a nossa cultura.
Pena Branca e Xavantinho cantaram modas, cateretês, catiras e pagodes da mais pura tradição rural com a mesma desenvoltura que gravaram Caetano Veloso e Milton Nascimento. Conseguiram sucesso, fama, mas nunca deixaram de ser fiéis às suas origens interioranas, do campo, do mato, da vida simples na periferia da capital.
Xavantinho morreu em 1999. A dupla acabou, mas Pena Branca continuou a trabalhar com mesmo espírito que orientava a obra marcante que construiu com o irmão. Gravou vários CDs sozinhos, um deles com músicas inéditas do mano, fez inúmeros shows e continuou, de sua maneira absolutamente discreta, a ser um dos mais importantes artistas populares do país.
Nesta manhã, a internet avisa, de modo burocrático, que Pena Branca também se foi, levado por um enfarte fulminante, aos 70 anos. Morava em Jaçanã, o bairro paulistano imortalizado por Adoniran Barbosa. Passei uma vez por lá - parecia que não estava nesta São Paulo dura, insensível, massificada, pasteurizada de sentimentos e razões.
No seu último CD, "Cantar Caipira", entre outras preciosidades, está "Nuvem de Cambraia", composição sua:

"Eu saí de minha terra
Sem despedir de ninguém
Acontece que a saudade
Partiu comigo também
Aquele estradão deserto
Que longe bem longe vai
Alguém veio dizer
Volte logo para trás"

Faça uma boa viagem, mano véio!

2 comentários:

  1. Oi Carlos,
    Encontrei seu blog por acaso e já pus entre os meus favoritos.
    Pena Branca agora vai integrar a grande orquestra celestial, novamente reunido ao irmão, e encantar a turma lá de cima com sua viola e sua sensibilidade.
    Tem uma versão do Luar do Sertão, com ele, Xavantinho e Milton Nascimento que é maravilhosa - não tenho esse diaco, mas ouvi muitas vezes em casa de amigos.
    Um grande artista popular, íntegro em sua arte e que já está fazendo falta.
    Abraços (e quando tiver um tempinho, passa no jazz + bossa - www.ericocordeiro.blogspot,com).

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  2. Oi, Érico,
    já passei pelo jazz+bossa - é um grande barato!
    Vou voltar muitas vezes mais.
    Um braço,
    Motta

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