Esses últimos dias foram repletos de acontecimentos que nos fazem refletir sobre a passagem do homem pela Terra.
Os desastres naturais que se sucedem no país mostram, por exemplo, o quanto somos frágeis e insignificantes, apesar de toda a nossa soberba e arrogância.
A fúria da natureza se impôs sobre a vaidade inerente à condição humana e se não fosse um Boris Casoy a achar vergonhoso que trabalhadores braçais desejem feliz ano ano a todos nós, estaríamos ainda mais temerosos sobre o destino do planeta neste início de 2010.
Mas se o veterano jornalista pagou pelo que disse, há outros que dizem o que dizem porque são bem pagos para isso - se não, como explicar todo o ódio exarado por alguns ilustres personagens da República a respeito de um programa nacional que pretende defender os direitos humanos? Quem, em sã consciência, pode ser contra algo que foi formulado a favor da dignidade do homem?
Aqui, neste ponto em que ferve a minha indignação, por perceber que a espécie humana, além de frágil é estúpida e venal, lembro do encontro inesperado que tive, na sexta-feira, com o Eduzinho, contínuo dos meus tempos de Estadão, de quem já falei nestas "Crônicas" ("O feliz Natal do Eduzinho").
O local não podia ser mais improvável: uma agência bancária no bairro de Santana, onde tive de ir e à qual cheguei depois de uma viagem de mais de uma hora de táxi e metrô.
Pois bem, estava lá na fila, absorto em meus pensamentos sobre como é linda e prazerosa esta metrópole, quando tive a impressão que me chamavam. Olhei para trás e, para grande surpresa, vejo, numa outra fila que serpenteava a agência, o Eduzinho, mais envelhecido, e a quem não encontrava havia bem uns quatro anos:
- Achei que era você mesmo e arrisquei chamar - disse ele.
Resolvidos nossos problemas bancários, nos pusemos a conversar e a pôr as novidades em dia. Fiquei sabendo que o Eduzinho tinha se aposentado por invalidez - me mostrou o braço direito, com uma espécie de curativo: "Faço hemodiálise três vezes por semana" -, que havia enviuvado e estava cuidando sozinho de seu filho deficiente mental.
Nem por isso se mostrava amargurado ou com qualquer traço de tristeza. Rimos um bocado ao lembrar de algumas figuras carimbadas que conhecemos no jornal e de algumas situações lá vividas.
E foi perto da estação de metrô, antes das despedidas, que ele me contou que o maior orgulho de sua vida não foram os 35 anos que trabalhou no Estadão, nem a casa que comprou na Cantareira, nem os passarinhos que, ao lado de seu filho, preenchem seu dia a dia de aposentado.
- Nossa - me disse, com olhos exibindo o brilho antigo do bom sarrista que era - você nem sabe quantos amigos eu fiz naquele jornal. E olha que alguns ficaram importantes.
- Eu sei, Edu - respondi. Vários deles...
- O Turcão foi mais longe que todos. O barbudo puxou ele rapidinho para o governo. E ele mereceu, porque é um sujeito humilde, que sempre tratou bem a gente. Agora, tem uns que nem na sua cara olham...
O Turcão, esclareço, é o ex-diretor de redação e atual ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. O barbudo prescinde de apresentação.
Na volta para casa, naquele vagão abafado do metrô, senti inveja do Eduzinho por ele ser capaz de experimentar uma felicidade que parece estar reservada apenas a alguns poucos escolhidos. Com isso, pensei, ele está acima dos homens comuns.
Mas confesso que também estava me sentindo alegre. Afinal, não é todo dia que a gente recebe uma carga tão poderosa de vida como aquela que tomou conta de mim no meu encontro com o Eduzinho.
São coisas assim que nos fazem achar que nem tudo está perdido e vale a pena acreditar no amanhã.
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