domingo, 1 de novembro de 2009

Lições de política e humanismo

Duas obras-primas do cinema da década de 50, os filmes dirigidos por Julien Duvivier com base nos contos de Giovannino Guareschi, "Don Camillo" e "O Retorno de Don Camillo", foram lançadas recentemente no mercado brasileiro em DVD.
Além das magníficas interpretações de Fernandel e Gino Cervi, como Don Camillo e sua contraparte, o prefeito comunista Peppone, os filmes sintetizam de modo admirável a obra de Guareschi, sincera, divertida, transbordante de humanismo - e de certa maneira, totalmente política.
O mundo de Don Camillo, cheio de nuances, de meios tons, onde nenhum personagem é inteiramente bom ou mau, inclusive o próprio padre que procura ocultar os seus pecadilhos do Jesus crucificado de sua igreja (para quem não sabe, Don Camillo conversa frequentemente com a estátua - ou seria a sua consciência?), na verdade não se circunscreve à região da aldeia de Reggio, na Emilia Romagna. Sintetiza todas as pequenas e grandes aldeias da Terra, onde os homens, basicamente, procuram viver da melhor maneira que podem.
No constante embate que travam, Don Camillo e Peppone alternam derrotas e vitórias. Defendem de todas as maneiras seus ideais - o padre, os valores religiosos, a ordem conservadora, a estabilidade; o prefeito comunista, a transformação social, a "revolução", como diz, o trabalho coletivo, a disciplina partidária. Nem por isso se odeiam, pois veem na amizade que têm há longo tempo algo mais poderoso que as desavenças políticas. E, acima de tudo, pensam, cada qual a seu modo, no bem-estar da comunidade.
Don Camillo e Peppone, aparentemente contrários em tudo, brigam pelas mesmas coisas, são como irmãos siameses que dependem um do outro para sobreviver.
Claro que seria pedir demais a certas figuras públicas do Brasil a compreensão da luta política que Don Camillo e Peppone têm.
Primeiro, porque ambos são frutos da imaginação exuberante de Giovannini Guareschi, um católico que compreendeu que nem tudo do Partido Comunista Italiano do pós-guerra estava errado e nem tudo da Democracia Cristã estava certo. Um país estilhaçado pela derrota na guerra não poderia se dar ao luxo de não absorver a riqueza de todas as experiências sociais dos seus homens da direita e da esquerda. Tampouco fazer pouco caso de sua longa e profícua tradição humanista, neste caso representada pela própria obra de Guareschi.
Outro fator que limita esses tais homens públicos nativos que desdenham dos principais fundamentos da política é justamente o fato de que, ao contrário de Don Camillo e Peppone, eles absolutamente não se sentem ligados à sua terra ou ao seu povo. E assim, agem em interesse próprio, descompromissados de tudo o que não renda algum benefício - a si mesmos e aos de sua classe.

E.T.: FHC, aquele ex-presidente que não aceita a aposentadoria e tampouco o êxito de seu sucessor, escreveu um artigo que foi publicado neste domingo nos principais jornais da direita brasileira. Nele, fica claro que o autor, um esnobe e pretensioso "intelectual", nunca foi leitor de Guareschi. E, se foi, não deu a ele a menor importância. Afinal, seu mundo é outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário