domingo, 15 de fevereiro de 2009

Por trás da máscara

Escrevo umas historinhas de vez em quando. Estão reunidas em Contos do Motta.
Algumas são pura invenção, outras se baseiam em fatos que vivenciei e pessoas que conheci.
Fiz uma delas com base num "sapo" de redação do Jornal de Jundiaí dos anos 70, bem no começo de minha carreira profissional. 
Era uma figura estranha. Guardava um quê de dignidade que o diferenciava de outros alcoólatras com quem cruzei. 
Lembrei-me dele ao refletir, nesses últimos dias, sobre essa crise econômica global que tanta fumaça faz no noticiário da imprensa.
É que, a cada dia que passa, mais me convenço que, embora a situação aqui no Brasil seja grave, não chega nem de perto à dos países do Primeiro Mundo, aquela turma que vive na parte de cima do planeta achando que, só por isso, é superior à metade de baixo. 
O Diabo, como era chamado esse sujeito, tinha esse apelido justamente porque procurava assustar os outros para impor a sua autoridade - da mesma forma como hoje se comportam jornalões, analistas variados, empresários e políticos tucano-pefelistas, que pregam o fim dos tempos, o apocalipse, o armagedom.
É que, no fundo, como vocês podem ver no continho abaixo, o tal sujeito era simplesmente um coitado, digno de pena, um zé-ninguém que morria de medo da vida. 

Pobre Diabo

Foi importante no tempo em que a indústria têxtil era forte na cidade. Chegou a ser gerente de várias fábricas e nessa época ganhou o apelido com que ficou conhecido: Diabo. Mas da mesma forma que as tecelagens foram sumindo, ele foi se apagando, caindo, se tornando apenas uma lembrança de antigamente. Alcóolatra, passava semanas bebendo sem parar tudo o que podia, emprestando dinheiro de todos os conhecidos. Depois sumia uns dias. Quando reaparecia, estava com a barba feita, a roupa limpa. Jurava que nunca mais ia beber. Ninguém acreditava.
Poucas vezes - e para poucos - contou a sua história verdadeira. Preferia a lenda. O gerente mandão, capataz inflexível que anotava num caderno até os dias em que as empregadas ficavam menstruadas. Um sujeito tão mau que chegou a se vestir de diabo, com roupa vermelha e rabo, para assustar as pobres coitadas que pensavam em fazer uma greve.
– Histórias 
bobas. Tudo mentira. Me deram o apelido simplesmente porque tinham inveja de mim. Eu gostava de fazer as coisas certas, não permitia liberdades comigo no trabalho. Quiseram me ofender e eu virei o Diabo.
E ficava com a expressão perdida, o olhar distante, os braços pendidos...
– Rapaz, eu não estou mais aguentando. Preciso tomar alguma coisa. Me empresta um
dinheirinho, quando eu receber a aposentadoria eu acerto com você...
E lá ia ele, sem chifres, sem rabo. Apenas um pobre diabo.

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