sábado, 27 de outubro de 2007

O lado negro

Autobiografias geralmente são mentirosas. Ou parciais. Poucos querem se mostrar por inteiro, com qualidades e defeitos. O guitarrista, compositor e cantor Eric Clapton teve coragem suficiente para abrir as portas do inferno que foi sua vida até 20 anos atrás. "Eric Clapton: a Autobiografia", recém-lançada pela Editora Planeta, se por um lado preenche a necessidade que o público tem de se inteirar das fofocas sobre seu astro favorito, por outro desglamouraliza o meio artístico, revelando seu lado negro: rios de álcool inundando praias de cocaína e heroína, perdidas entre espessas nuvens de maconha. Em meio a todo esse delírio, talentos despedaçados e vidas destruídas. É impressionante, quase inacreditável, que alguns desses personagens tenham sobrevivido a tais excessos.
Como o próprio Eric Clapton. Quem acompanhou sua carreira certamente notou que desde o estrondoso sucesso da banda The Cream até o mergulho radical nas raízes do blues, Clapton tem sido um dos mais importantes artistas do cenário pop nas últimas quatro décadas. Seja porque é um virtuose aclamado, seja pela seriedade com que abraçou projetos e sua própria música, dando suporte a dezenas de outros artistas e consolidando seu próprio estilo de cantar, tocar e compor. Muitos julgam mesmo que foi esse inglês apaixonado pelo blues quem acabou colocando em evidência o gênero para os americanos, expandindo sua audiência e resgatando importantes nomes que estavam esquecidos. Robert Johnson, por exemplo.
Porém, essa trajetória artística de mais altos que baixos escondeu um homem que, como confessa na autobiografia, somente amadureceu quando tinha mais de 50 anos. Até então, suas ações profissionais eram controladas por outras pessoas e suas emoções viviam presas ora à cocaína, ora à heroína ou, por último, ao álcool. Foi uma caminhada dura, que mostra a capacidade do ser humano de superar limites.
Claro que Clapton não é um herói. Como ele próprio explica, se está há 20 anos "sóbrio" é porque a outra opção era simplesmente morrer. Mas depois que chegou à conclusão de que ainda restava uma esperança, fez a lição certinho e entrou nos eixos. Sabe, porém, que muitos não tiveram a sua sorte e acabaram se destruindo: ele, enfatiza, nos piores momentos, quando tudo parecia perdido, pelo menos teve a música para se agarrar.
Hoje, Clapton segue trabalhando, vive com sua família, mantém o centro de reabilitação Crossroads e acha que o pior já passou. Ou pelo menos assim espera, como escreve num parágrafo do epílogo:
" Minha família continua a me trazer alegria e felicidade no cotidiano, e, se eu fosse qualquer coisa que não um alcoólatra, alegremente diria que ela é a prioridade número 1 de minha vida. Mas não pode ser assim, pois sei que perderia tudo se não colocasse minha sobriedade no topo da lista. Continuo a participar dos encontros dos 12 passos e mantenho contato com o máximo possível de pessoas em recuperação. Permanecer sóbrio e ajudar outros a alcançar a sobriedade será sempre a proposta mais importante de minha vida."
Para o bem da música em geral, tomara que tudo dê certo.

As histórias fictícias que poderiam ser reais estão em Contos do Motta

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