Os jornalões, quando falta assunto, geralmente em feriados, têm seus salvadores de pauta. Economistas, políticos, intelectuais, artistas, que estão sempre disponíveis para falar, a qualquer hora, sobre qualquer coisa. E sempre a favor da linha editorial de quem os entrevista. Folha e Estadão estavam sem assunto na Semana Santa e então entrevistaram dois desses tipos, o cientista político - seja lá o que for isso - Leôncio Martins Rodrigues e o historiador Marco Antônio Villa. A situação dos jornais era tão desesperadora que os editores nem perceberam o alto teor de bobagem contido nas entrevistas. Aí vão dois pequenos exemplos:
Folha - Como o sr. avalia a atuação do presidente Lula no episódio? (greve dos controladores)
Leôncio - O presidente, altos membros de seu ministério e o próprio ministro da Aeronáutica saíram mais do que chamuscados do episódio. Recapitulemos: inicialmente, o presidente, a bordo da aeronave presidencial, manda um ministro importante de seu governo negociar com os controladores, fazer promessas, ceder e prometer muito mais do que poderia, inclusive de que não haveria punições. No final, o presidente conseguiu descontentar a todos e reforçar a impressão de que, além de mau administrador, não é um interlocutor confiável. Mas é preciso reconhecer que -circunscrevendo a avaliação da atuação do presidente apenas à situação de pandemônio instalada nos aeroportos - o presidente tinha que agir rápido, de longe e com "a faca no pescoço", para plagiar o ministro Paulo Bernardo. O grande erro foi deixar a situação dos aeroportos chegar aonde chegou. Além disso, de algum modo, o governo passava aos controladores de vôo a crença de que, pressionado, o governo cederia.
Estado- Na política internacional, há críticas contra o que seria a permissividade de Lula em episódios como a nacionalização do gás, com Evo Morales, ou com o populismo de Hugo Chávez. O senhor concorda?
Villa - Não defendo nem uma política agressiva, nem uma política de panos quentes. Parece mesmo ser uma bobagem para o presidente se transformar em um anti-Chávez ou anti-Morales, até porque o raio de influência deles, como se verá, não é tão grande quanto muitos acreditam. O problema da indecisão do presidente nessa área está em dois pontos. Um deles é que estamos falando de questões de soberania nacional brasileira, e fica claro que Lula não sabe como lidar com ela por não ter claro o que deve fazer, a não ser uma escolha por seguir a política hegemônica em curso no Itamaraty. O outro ponto é a maneira às vezes até clandestina de tentar resolver - como essa edição sem alarde de uma medida provisória que libera R$ 20 milhões para fazer uma reforma agrária na fronteira entre Bolívia e Brasil, sob a justificativa frágil de que há muitos agricultores brasileiros na área.
O presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a ser definido como um político que não sabia dizer não. Qual é a diferença entre ele e Lula nesse quesito?Fernando Henrique também teve ampla base no Congresso, mas foi testado em outras esferas. Pegou a economia mundial em situação complicada, enfrentou problemas com as reservas. Aí tomou decisões. Lula pegou céu de brigadeiro na economia mundial e nem assim soube aproveitar o momento favorável para dar um salto em relação à situação que encontrou. Manteve a política econômica no ponto em que pegou. As crises econômicas mundiais aparecem em ciclos e os especialistas dizem que há outra em vista. Vai chegar em breve o momento em que vamos precisar de um presidente com perfil executivo, que saiba decidir. E nós não temos. Usando as analogias futebolísticas que agradam a Lula, uma coisa é ser técnico do Santos na década de 60, com aquela equipe de estrelas que se moviam sozinhas; outra é ser técnico do Corinthians hoje.
Leôncio se contradiz na sua resposta. Esculhamba Lula e todo o governo para depois dizer que ele tinha de agir rápido por estar "com a faca no pescoço". Já Villa afirma que Lula não sabe lidar com questões de soberania nacional e apenas segue a política "hegemônica" do Itamaraty. Mas essa tal política do Itamaraty é de qual governo, mesmo? Será que não é a tão criticada política externa do ... governo Lula? Já o fim de sua resposta parece ter saído dos livretos de campanha do derrotado Geraldo - se, nos textos de propaganda ele tivesse tido a coragem de defender o governo FHC.
A propósito, Leôncio e Villa são dois dos mais conhecidos intelectuais tucanos. Talvez por isso mesmo eles sejam tão queridos pelos pauteiros de Folha e Estadão.
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