O acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano para regulamentar a presença da igreja católica no Brasil tem vários problemas.
O Artigo 6º, por exemplo, que diz:
"As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico."
Em outras palavras: o Estado pode ser chamado para gastar na conservação de imóveis que não são seus.
Ou o Artigo 11:
"A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação."
Esse é complicado. O Brasil é segundo a sua Constituição, um Estado laico, e nele qualquer pessoa tem, portanto, o direito de não ser religiosa. Ou de querer que seus filhos não o sejam. É uma questão de foro íntimo. Assim, num país onde as pesquisas apontam que mais de 90% dos seus habitantes têm alguma religião, ser ateu é pertencer a uma minoria. Imagine o que vai acontecer a uma criança que não freqüente aula de religião, a pedido de seus pais - é óbvio que ela será minoria em sua escola e, como tal, olhada de maneira diferente das outras.
Vamos em frente.
Artigo 13:
"É garantido o segredo do ofício sacerdotal, especialmente o da confissão sacramental."
Mais complicação. Novamente o conceito do Estado laico: e se alguém confessa um crime para um padre? A confissão ficará só entre eles?
O Artigo 16 também é problemático:
"Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica."
Segundo está escrito, nele se revogam todas as leis trabalhistas existentes no país.
O acordo tem vários pontos questionáveis, inaceitáveis até num Estado com as características do Brasil. Felizmente, terá de passar pelo Congresso para ter validade. Há, portanto, uma pequena chance de que suas excrescências sejam aparadas.
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