quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Jornalistas e jornalistas

Nestes tempos em que o jornalismo se acumpliciou com as forças mais reacionárias, para levar o país de volta à idade das trevas, e se transformou em mero propagador de vilanias, me vêm à lembrança personagens com as quais convivi nos mais de 40 anos enfurnado em redações - figuras que, de certo modo, sintetizam o que foi, até um passado recente, um trabalho dos mais interessantes.

Conheci um pouco de tudo - os geniais, os carreiristas, os bons caracteres, os medíocres, os que escreviam maravilhosamente, os semialfabetizados, os engraçados, os mal-humorados...

Uma redação de jornal é um microcosmo, um recorte, ainda que imperfeito, da sociedade.


Dia desses fiquei sabendo da morte de uma jornalista, Célia Chaim, com a qual trabalhei alguns meses, diretamente, no Estadão, quando ela foi, por um curto período, a coordenadora de economia - eu era um dos subeditores da seção.

Sua ida ao jornal ocorreu num período de transição da editoria, um período conturbado, de mudanças internas. 

Célia fez poucas alterações na equipe e o trabalho corria normalmente, pelo menos na aparência, já que qualquer novidade, num ambiente de trabalho, causa reações as mais diversas nas pessoas.

Certo dia, logo que cheguei para trabalhar, fui chamado pela Célia.

Antes de prosseguir com a história é bom informar que eu e o então repórter de economia Fernando Pesciotta fazíamos parte, naquele período, da diretoria do sindicato dos jornalistas.

Pois bem.

Nem abri o meu computador e fui ver o que a chefe queria.

Ela dispensou o "nariz de cera":

- Motta, fui ontem falar com o Maranhão [Aluizio, então diretor de redação do Estadão] para pedir um aumento de salário para você e para o Pesciotta. Acho que vocês merecem. Sabe o que ele me respondeu? "Esses dois? Mas eles não são do sindicato?" Aí eu não aguentei e disse a ele "olha, Maranhão, não sei se eles são do sindicato, se são marcianos, se são verdes, eu só sei que eles merecem um aumento de salário."

O aumento não veio daquela vez.

A Célia pediu demissão alguns meses depois.

Acho que ela e o Estadão não combinavam.

Esse episódio me marcou porque mostrou, da maneira mais clara possível, a diferença que há entre um profissional que dignifica o seu trabalho e aquele para o qual o trabalho é apenas uma forma de ganhar dinheiro.

Reencontrei a Célia anos depois, na primeira vez que passei pela redação do Valor, mas estávamos em editorias diferentes e tivemos pouco contato, que se perdeu depois que ambos nos desligamos da empresa.

Fiquei triste quando soube de sua morte.

Pessoas como a Célia Chaim fazem falta ao miserável jornalismo brasileiro, fazem falta a este pobre mundo.

Um comentário:

  1. Na minha opinião, o jornalismo continua vivo, e muito vivo, na internet, graças a Deus. As empresas jornalisticas, é que parece, estão se suicidando. Sabe-se lá porque! Cada doido com sua mania!

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