quinta-feira, 25 de junho de 2015

Ivo viu a uva

O fato de ter cruzado a fronteira do meio século de existência há uma década trouxe duas certezas: meu corpo iria me causar mais padecimentos e eu ficaria ainda mais intolerante a respeito de algumas coisas.

Dito e feito.

Sou hoje possuído por uma irritante e constante dor que desce do quadril e vai até a ponta do pé esquerdo, provocada, provavelmente, por alguma deformação na coluna, pobre coluna, massacrada por décadas de má postura, sentado à frente de máquinas de escrever ou computadores.

Esse tipo de incômodo, porém, a gente releva, ou acostuma com ele. Quando se torna um problema mais grave, tipo ficar imobilizado à mercê de uma latência quase insuportável nesse maldito lado esquerdo do corpo, sempre há anti-inflamatórios, corticoides, ou algo que o valha, para amenizar tal aflição.

O pior mesmo, depois de certa idade, é essa sensação de que o tempo corre mais rapidamente, e com isso diminui a nossa paciência com diversas situações do dia a dia - concomitantemente, o limite de tolerância se contrai, tornando mais difícil o "estar no mundo", que implica interagir com o outro, com o contraditório, com, enfim, o que fazem, escrevem e dizem as outras pessoas.


Mexo com palavras desde me entendo como gente. 

Durante 4 décadas meu ofício foi o jornalismo: escrevi ou reescrevi milhares de textos, editei outros tantos, tive o privilégio de desfrutar de narrativas extraordinárias e o desprazer de me defrontar com outras pessimamente construídas.

Normal. 

Conheci ótimos repórteres semianalfabetos, que não conseguiam escrever uma linha sem um erro de português, mas compensavam essa limitação com uma capacidade ímpar para descobrir histórias e levantar notícias - ser jornalista.

Conheci outros que, ao contrário, eram repórteres medíocres com a capacidade de transformar uma banalidade em uma aventura épica.

Normal.

O que não é normal - e observo isso com a tristeza de que nos meus 61 anos de vida já vi muita coisa - é essa indigência geral, entre outros males, que assola o que se chama hoje de "jornalismo brasileiro". 

Se me contassem, não acreditaria. 

O problema não é nem que essa rapaziada tenha uma imensa dificuldade para escrever uma sentença sem que cometa algum erro de ortografia ou de concordância, os mais banais.

Mais grave é que essa turma não sabe o significado das palavras, não consegue estabelecer uma relação de causa - efeito, desconhece os princípios básicos da lógica, além, é claro, de expor uma ignorância abissal sobre temas que qualquer pessoa que se pretenda jornalista deveria, ao menos, não ignorar - como história, geografia, artes, economia, política...

O jornalista não precisa ser nenhum gênio.

Mas, tenham dó, tampouco precisa ser o exemplo acabado desta cultura de fofocas, lixo cultural e superstições disseminada pela internet em seus "portais de notícias" e redes sociais.

É, a velhice vai chegando e com ela a constatação de que o mundo já foi, sob alguns aspectos, muito melhor.

Pelo menos, antigamente, a maioria dos jornalistas sabia escrever.

Um comentário:

  1. É prezado Motta. Nesse País das quadrilhas, paraiso da bandidagem, vamos dar um desconto para a rapaziada. A violência, intimida e emburrece o jovem. Eles ainda têm muito chão pela frente. Abraço e procure dormir em cama firme. Alivia dores de coluna.

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