quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O caso de desamor entre São Paulo e o PT

@ É um paradoxo: o PT nunca foi forte no Estado em que nasceu. O desempenho pífio nesta eleição suscitou várias análises sobre os motivos dessa debilidade. Há de tudo, explicações sociológicas, históricas e até mesmo psicológicas. Na verdade, pode ser uma mistura de tudo isso. A filósofa Marilena Chauí propôr que se fizesse um estudo de caso sobre os motivos que levam o paulista a repudiar com tanta veemência o partido e, ao mesmo tempo, consagrar legendas e políticos de oscilam da centro à extrema direita do espectro ideológico.

@ Quem frequenta os círculos de classe média - nem vou falar da média alta ou da alta - sabe que o PT, para essas pessoas, é associado a tudo de ruim que pode existir neste e em outros mundos: corruptos e ladrões são dois dos qualificativos mais leves imputados aos integrantes - e até a simpatizantes - do partido. 

@ Sem a pretensão de qualquer tipo de análise "científica", acho que a raiz desse fenômeno está no extremo conservadorismo dessa ampla classe média paulista - um conservadorismo que rejeita qualquer ideologia que não o mais puro liberalismo, com sua defesa intransigente da propriedade, sua crença inabalável no empreendedorismo, no individualismo, e na riqueza como expressão do sucesso pessoal, além de uma religiosidade extremada. São crenças transmitidas há muitas gerações. 

@ Grande parte dessa classe média é formada por descendentes de imigrantes, que conseguiram ascender social e economicamente em terras paulistas, escapando, assim da péssima condição anterior em que se encontravam nos seus países de origem. Lógico que criaram seus filhos incutindo neles o valor que julgavam essencial ao seu sucesso: trabalho árduo, com o objetivo de acumular o máximo possível de capital.

@ Nas camadas mais altas da pirâmide social encontram-se os representantes da "aristocracia" paulista, os filhos, netos e bisnetos de fazendeiros, cafeicultores e negociantes, que transmitiram não só ao seu círculo familiar, mas às pessoas de seu relacionamento mais estreito a sua visão de mundo, logicamente baseada em relações de mando - senhor-escravo, senhor-servo, senhor-empregado.

@ São Paulo tem, certamente, a mais ampla e antiga classe média do Brasil. Milhões de pessoas que cresceram num ambiente familiar conservador, religioso, extremamente influenciável pelos meios de comunicação de massa, frutos de uma educação formal de baixo nível, bombardeados por uma propaganda que exalta as virtudes do capitalismo made in USA, impregnados pelo lixo cultural americano e vítimas de uma lavagem cerebral que dura décadas.

@ De certa forma, essas pessoas ainda vivem no tempo da Guerra Fria. Para elas o mundo está dividido entre os bons, ou seja, aqueles que defendem esse liberalismo antiquado, esse capitalismo selvagem, e os maus, ou seja, os "inimigos" dessa ideologia, os "comunistas". Ou, no caso, os petistas, os "petralhas", os "lulodilmistaspetistas" - os novos comunistas, enfim.

@ Essa noção está tão entranhada na sociedade paulista que quem a professa nem mais se apega à realidade, aos fatos ou à razão, para expor suas opiniões, muitas vezes carregadas de ódio e preconceito.

@ O papel dos meios de comunicação para demonizar o partido também tem de ser destacado. Anos atrás, quando não representava nenhum perigo para a classe dominante, o partido era criticado pelo seu purismo, pelo seu excesso de democracia. Depois que derrotou, em nível federal, as forças oligárquicas, recebeu o carimbo de corrupto. Propaganda de guerra pura e simples. 

@ É ingenuidade supor que essa rejeição ao PT vai ser superada num breve tempo. Isso é algo que exige muitos anos de trabalho persistente e em várias frentes. Uma delas, talvez a mais importante, é na área da informação, onde o partido sempre foi muito frágil. É preciso criar canais que levem, efetivamente, aos jovens, o ideário e as realizações do partido, e à classe média, uma mensagem que afaste dela o medo de ser dominada por demônios e roubada por salteadores. É preciso construir pontes onde o tráfego da racionalidade supere os atropelos da emoção primitiva.

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