quinta-feira, 22 de agosto de 2013

No Brasil é assim mesmo, cada um por si


A reação hidrófoba dos médicos brasileiros ao anúncio de que cerca de 4 mil colegas cubanos virão atender a população miserável de quase uma centena de municípios do Norte e Nordeste, abandonada há séculos à própria sorte, é facilmente explicada: no Brasil as coisas são assim mesmo.
A afirmação não carrega nenhum sentido de fatalidade. 
É apenas reveladora de como funciona o sistema capitalista, esse salve-se quem puder, porque o que importa é dinheiro no bolso.
O Brasil tem um modelo de saúde estranho, onde convivem o estatal e o privado, o atendimento universal, gratuito, do SUS, e o para quem tem uma boa grana, dos planos de saúde.
Ora, é claro que, se um dia, o SUS conseguir atender a população de modo satisfatório, quem vai sofrer com isso são as empresas donas dos planos de saúde.

A grita dos médicos, capitaneados pelas suas associações de classe, é, portanto, lógica: eles simplesmente temem que a saúde pública do país atinja um tal nível de excelência que prejudique os seus negócios.
Qualquer análise com um mínimo de lógica desse xenofobismo extremado revelado por esses profissionais mostra a absoluta fragilidade de seus argumentos. 
São pueris, num extremo; canalhas, no outro.
O desarrazoado de suas alegações mostra ainda um engajamento partidário inconcebível. 
Ora, qualquer médico, como cidadão, tem o direito de fazer propaganda política para quem quer que seja, desde o mais democrata dos democratas até o mais fascista entre os fascistas, mas essa prerrogativa não se estende ao seu trabalho, que, pelo menos na teoria, é diminuir o sofrimento das pessoas, e não induzí-las em quem votar.
Os médicos, porém, não estão sozinhos nessa cruzada em favor de seus interesses.
Há vários outros exemplos de categorias profissionais, entidades de classe e setores empresariais cujo único objetivo, seguindo a lógica implacável do capitalismo - obter lucro seja como for -, é impedir qualquer mudança que possa prejudicá-los.
Não é por acaso que o Enem, um extraordinário avanço na educação brasileira, é bombardeado pela nossa gloriosa imprensa a cada ano: seu sucesso implica o enfraquecimento da indústria de cursinhos preparatórios ao vestibular.
Não é por acaso que o projeto do trem-bala ligando Campinas ao Rio de Janeiro tem sido submetido a toda espécie de críticas: no mundo todo, as empresas aéreas tiveram de reduzir drasticamente suas operações nos trechos de média distância em que competem com o transporte ferroviário de alta velocidade.
No Brasil as coisas são assim mesmo: cada um se preocupa com o seu próprio umbigo.
Tudo bem, isso faz parte da natureza humana, contaminada pelo egoísmo de um sistema econômico que pretende nos igualar aos mais ferozes predadores, que nos trata como bestas-feras.
Mas é sempre bom lembrar disso quando a gente se depara com tais aberrações de caráter como essas exibidas, orgulhosamente, pelos nossos desinteressados, altruístas e patriotas doutores.

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