domingo, 17 de abril de 2011

Vitória à vista


Em cinco anos, esperam os pesquisadores, a população brasileira deverá estar imunizada contra os quatro tipos de vírus da dengue. O prazo para resolver o problema epidemiológico é bem inferior ao tempo de que o país precisa para universalizar o saneamento básico, apontado como uma das causas para a prevalência da dengue: segundo o governo federal, apenas em 2030 todos os brasileiros terão água encanada e rede coletora de esgoto em suas casas.
As informações são de matéria da Agência Brasil. “Um dos problemas da dengue e outras doenças negligenciadas é que elas cresceram onde não há infraestrutura adequada. As pessoas têm que armazenar água, as prefeituras não conseguem recolher o lixo. Isso vai levar anos, talvez décadas para que a gente consiga resolver completamente”, diz o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa.
“Muitas dessas doenças negligenciadas são de pessoas negligenciadas”, assinala Barbosa, ao lembrar da incidência de tuberculose, hanseníase e de doenças parasitárias entre as pessoas que vivem em domicílios com pouco espaço e muitos moradores. “São pessoas que vivem em condições insalubres”, acrescenta, ao dizer que o tratamento médico gratuito não é suficiente para melhorar a vida das pessoas.
Na sua avaliação, a situação social torna a pesquisa em saúde ainda mais importante. Barbosa lembra que a pesquisa pode oferecer boas ferramentas de prevenção e controle de doenças. “Quando olhamos o panorama de doenças tropicais negligenciadas, as que persistem são aquelas em que as ferramentas disponíveis não são as melhores. E, por isso, o desenvolvimento científico e tecnológico é muito importante.”
“O desafio é desenvolver estratégias capazes de aumentar o acesso à saúde. Para isso, a gente também precisa de pesquisa operacional para ver qual a melhor estratégia para ver a maneira daquela população ser alcançada”.
Um quarto da pesquisa científica feita no Brasil, diz a matéria da Agência Brasil, é na área de saúde, o que torna o país referência mundial. “Temos desde pesquisas para buscar a modificação genética do mosquito da dengue até pesquisa para infectá-lo com um microrganismo que não faz mal para as pessoas e reduz a capacidade dele de se infestar com vírus da dengue”, afirma o secretário de Vigilância em Saúde.
Segundo Barbosa, o país faz pesquisa básica, desenvolve ferramentas para atendimento à população, cria kits de diagnóstico, produz novos medicamentos e participa de testes e pesquisas operacionais para avaliar e implementar estratégias de imunização. “O Brasil tem um papel importante no campo da pesquisa de doenças tropicais. O país está procurando desenvolver sua vacina e está ajudando a testar a vacina que não é produzida aqui, mas, seguramente, será muito útil para o programa brasileiro de controle da dengue.”
A pesquisa mais adiantada envolve o Núcleo de Doenças Infectocontagiosas da Universidade Federal do Espírito Santo, que participa dos testes clínicos de uma vacina desenvolvida pelo laboratório francês Sanofi Pasteur em 11 países tropicais. Além dessa pesquisa, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e o Instituto Butantan, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, trabalham na produção de vacinas em parceria com laboratórios internacionais.
O estudo clínico da vacina do laboratório Sanofi Pasteur é feito desde agosto do ano passado pelo Núcleo de Doenças Infectocontagiosas da Universidade Federal do Espírito Santo, com um grupo de 150 crianças e adolescentes de 9 a 16 anos. A vacina em teste é ministrada em três doses e o estudo tem a duração de 18 meses. A perspectiva da comunidade científica é que a vacina esteja disponível daqui a cinco anos, após registro na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com o diretor médico de ensaios clínicos do Instituto Butantan, Alexander Roberto Precioso, a primeira fase de estudos clínicos da vacina que está sendo desenvolvida lá terá início no segundo semestre, com pessoas adultas que não sofram de diabetes, nem de hipertensão e que não tenham problemas nos pulmões ou no coração, bem como nunca tenham tido dengue, nem febre amarela.
“O objetivo principal é demonstrar a segurança da vacina”, afirma Precioso. De acordo com ele, a vacina foi testada em macacos, nos Estados Unidos. A patente da vacina testada foi cedida com exclusividade para o Butantan pelos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health – NIH).
Já em Bio-Manguinhos, duas vacinas estão sendo desenvolvidas. A primeira experiência, exclusiva, é uma vacina recombinante feita a partir do vírus da febre amarela e do vírus da dengue. A outra tentativa, mais adiantada, é feita em parceria com o laboratório belga GlaxoSmithKline. Essa vacina está em estágio pré-clínico, de testes em animais.
Segundo a bióloga Helena Caride, que gerencia os projetos de desenvolvimento tecnológico das vacinas em Bio-Manguinhos, a intenção é fazer uma vacina que só exija duas aplicações em intervalo mais curto do que o da vacina em teste pela Sanofi Pasteur.
Outras duas pesquisas desenvolvidas no Brasil buscam a produção de medicamentos para diagnóstico e imunização da população contra os quatro tipos de dengue a partir da modificação genética de plantas.
Na Universidade Estadual do Ceará, o Laboratório de Bioquímica Humana usa o feijão de corda para produzir a proteína do vírus da dengue e obter a vacina. Na Universidade de Brasília (UnB), o Departamento de Biologia Celular tenta produzir uma parte do vírus da dengue com alface e criar um reagente para detectar a doença.
A intenção dos pesquisadores da UnB é montar um kit para diagnóstico que seja mais barato do que o de origem animal (camundongo) e que o Brasil precisa importar parte da Austrália. O kit terá um reagente produzido com alface na qual foi injetado o gene do vírus da dengue. A alface transgênica produzirá uma partícula viral defeituosa que será aproveitada em reagente, a ser misturado ao sangue coletado. Conforme a reação, o medicamento indicará se o paciente está com os anticorpos do vírus da dengue.
Segundo o pesquisador Tatsuya Nagata, virologista do Laboratório de Microscopia, ligado ao Departamento de Biologia Celular da UnB, a alface é mais eficiente do que bactérias e leveduras tradicionalmente usadas na produção de vacinas. “Bactérias e leveduras têm um sistema celular mais primitivo do que o da alface. O sistema celular da planta é mais próximo do dos seres humanos”, diz.
Nagata afirma que há vantagens em usar um vegetal em vez de reagentes extraídos diretamente de animais. Primeiro, é o fato de, não usando animais na pesquisa, não ter de sacrificá-los. A outra vantagem é que os técnicos de laboratório não correm risco de contaminação no momento de aplicar a injeção nos camundongos.
A pesquisa com reagentes ainda tem ainda dois anos de prazo, e os insumos serão testados em sangue infectado pela dengue e já armazenado pela Fiocruz. As alfaces geneticamente modificadas são mantidas em local seguro e separado. Nagata não descarta a hipótese que, no futuro, a própria alface possa ser utilizada como vacina. “A metodologia está sugerindo isso, mas [a ideia] ainda não é aceita pelos especialistas em vacinação,porque a dosagem tem que ser corretamente medida.”
No caso do feijão de corda, o propósito é retirar, diretamente da planta, a proteína para a vacina. “Nós inserimos em um vetor os genes que produzem a proteína E do envelope dos quatro sorotipos do vírus da dengue. Em seguida, os introduzimos dentro das células da planta", explica a a bioquímica Maria Izabel Florindo Guedes, responsável pela pesquisa na Universidade Estadual do Ceará.
De acordo com Maria Izabel, à medida que as plantas crescem, as proteínas do vírus da dengue vão se multiplicando. É como se a planta se transformasse em uma biofábrica de grandes quantidades de proteínas do vírus da dengue. Após alguns dias, as plantas são coletadas, trituradas e as proteínas do vírus são extraídas (purificadas), acrescentou a bioquímica.
Segundo ela, as proteínas “candidatas vacinais” já foram usadas na imunização de camundongos. “Os resultados obtidos até o momento mostram que, devido aos altos títulos de anticorpos induzidos pelas proteínas heterólogas [compostas] produzidas em plantas, a proposta é viável e poderá abrir perspectivas para a produção da primeira vacina eficaz e de baixo custo contra a dengue.”
Como se trata de um medicamento para imunização de pessoas, a vacina extraída do feijão de corda geneticamente modificado ainda passará por extenso estudo clínico, que ainda não tem previsão para começar, informa a pesquisadora responsável. Para ser usado no Brasil, todo medicamento tem de ser registrado na Anvisa.

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