sexta-feira, 12 de junho de 2015

A nossa reforma política é uma contrarreforma

Congresso vota, na verdade, uma
contrarreforma política
(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Ainda bem que existe a imprensa internacional para discutir o que se passa no Brasil, porque se dependermos da nossa, estamos, como se diz, fritos.

O caso da reforma política à toque de caixa que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, está promovendo, com o apoio do chamado baixo clero e da oposição ao governo trabalhista é exemplar: os jornalões se dedicam apenas a noticiar as votações, não repercutem o que foi votado, não entrevistam as pessoas que podem esclarecer o público sobre as barbaridades que estão sendo cometidas pelo pior Congresso já eleito no Brasil.

Sobre o assunto, a Deustche Welle, serviço noticioso oficial da Alemanha, publicou, em seu site, uma reportagem esclarecedora, ouvindo dois analistas políticos, que não tiveram receio de esculhambar a "reforma" conduzida por Cunha.

A sua íntegra:


Reforma política avança esvaziada

Dois anos após os protestos de 2013, projeto da reforma política tramita a toque de caixa no Congresso, mas fica muito aquém do esperado pela "voz das ruas". Para especialista, texto em debate piora o sistema político.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), pretende iniciar a votação em segundo turno da PEC da reforma política no início de julho. A primeira rodada de votações já dura três semanas. Nesta quinta-feira (11/06), os parlamentares decidiram reduzir as idades mínimas de governadores, deputados e senadores. O texto da emenda constitucional seguirá para o Senado, onde passará por mais duas análises.

As principais mudanças esperadas por organizações da sociedade civil, no entanto, não foram aprovadas: o financiamento empresarial de campanha, por exemplo, está mantido. Outra alteração considerada essencial, como reduzir a quantidade de partidos com acesso ao Congresso, não foi feita.

"A rigor, está havendo uma contrarreforma política. As medidas aprovadas pioram o sistema político", critica o analista Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo.

Para Francisco Fonseca, cientista político e professor da PUC-SP e FGV-SP, tudo o que está sendo aprovado pelos deputados "é contra a democracia". "A maioria conservadora do Congresso está vencendo. Os interesses sociais e um sistema político mais representativo não estão sendo contemplados nessa primeira rodada de votações. O Congresso Nacional hoje é uma espécie de bastião do atraso", diz o especialista.

Nesta quinta-feira, os deputados decidiram por 348 votos a favor, 110 contra e três abstenções estabelecer mandatos de cinco anos para todos os cargos eletivos a partir de 2022. Os senadores terão os mandatos reduzidos de oito para cinco anos. Os parlamentares também decidiram manter o voto obrigatório.

Financiamento de campanha

O fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, defendido no projeto de reforma política apresentado pela presidente Dilma Rousseff no ano passado, foi fortemente combatido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que levou adiante a votação em plenário.

Na opinião de Fornazieri, com a manutenção do financiamento empresarial, as legendas adquirem autonomia em relação à sociedade e, por outro lado, uma alta dependência do capital privado. "Hoje, elas não requerem mais uma militância e apoio de setores sociais organizados para fazer campanhas políticas", diz. "A sociedade não se reconhece mais nos partidos e no sistema político vigente. A separação entre o representante e o representado sempre existiu. Mas com as mudanças aprovadas pelos deputados, essa cisão entre o eleitor e o eleito vai aumentar ainda mais."

Um grupo de deputados do PT e de outros cinco partidos pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da votação sobre o financiamento empresarial de campanha, que ocorreu na Câmara no dia 27 de maio. Na quarta-feira passada, a ministra Rosa Weber afirmou que vai tomar uma "decisão célere" sobre a questão.

O ministro Gilmar Mendes, que chegou pedir vista da matéria no ano passado, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo temer a "institucionalização do caixa dois" caso o Congresso mantenha a aprovação do financiamento empresarial de campanha.

Um projeto independente apresentado pela "Coalizão pela reforma política democrática e eleições limpas", que reúne mais de cem entidades, como a CNBB e a OAB, propõe o financiamento público e a doação de pessoas físicas com um teto de 700 reais. O documento também prevê a fidelização partidária e o aumento da representação feminina na política.

Fim da reeleição

Pelo atual texto da emenda constitucional da reforma política, a reeleição está proibida para todos os cargos eletivos. Fornazieri considera a medida um retrocesso. "Muda-se de instituições como se troca de camisa. O instituto da reeleição, que vai completar 20 anos em 2016, vinha premiando os bons governantes e dava um tempo razoável para a realização de bons programas. Com mudanças constantes, cria-se instabilidade, insegurança", critica o cientista político, que considera um mandato de meia década para todos os cargos um equívoco.

Para Fornazieri, os presidente da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, investigados na Operação Lava Jato, estão desenvolvendo movimentos "aleatórios e personalistas" para criar uma "cortina de fumaça". "Eles querem escamotear essa situação e gerar uma confusão no sistema político brasileiro. Tudo isso leva a uma imprevisibilidade acerca do tipo de instituições políticas que teremos no país", opina. "É uma irresponsabilidade histórica. Eles deveriam ter mais seriedade e também se preocupar com a própria biografia."

Eleições

As coligações nas eleições proporcionais – a união entre dois ou mais partidos para a eleição de deputados e senadores – foram mantidas. O atual sistema leva em conta os votos recebidos pelos candidatos e as legendas para calcular a quantidade de vagas que cada partido pode preencher. Para Fonseca, esta pode ser considerada outra derrota.

"Os pequenos partidos se coligam aos grandes e elegem parlamentares ‘de carona’. Isso desvirtua completamente a representação política e estimula o ‘partido de aluguel’, o voto em personalidades e não em programas políticos", diz.

Já a rejeição do modelo chamado "distritão" foi acertada, avalia Fornazieri. Pelo mecanismo, deputados e vereadores seriam eleitos com base na quantidade de votos recebidos, por sistema majoritário. "O ‘distritão’ destruiria os partidos, principalmente os menores, e poderia transformar o Congresso numa casa de celebridades que não têm nada a ver com a política", afirma.

Os deputados também aprovaram uma cláusula de desempenho para acesso ao fundo partidário, que dá direito aos recursos públicos e ao tempo gratuito de rádio e TV apenas às siglas que elegerem ao menos um representante no Congresso.

Pelas regras atuais, todas as legendas podem obter 5% do fundo. Os outros 95% são distribuídos de acordo com o número de votos obtidos para a Câmara dos Deputados.

Para as campanhas de rádio e TV, apenas um terço do tempo de propaganda eleitoral é dividido igualmente entre os partidos; o restante depende do tamanho da bancada de cada partido na Câmara e do número de representantes eleitos no pleito anterior.

"O que se visa é a concentração de recursos públicos nos grandes partidos", critica Fornazieri. "O caráter de dependência das pequenas siglas em relação às grandes vai aumentar. As grandes legendas vão aumentar seu poder de negociação durante a campanha eleitoral no sentido de comprar apoio dos pequenos partidos."

Um comentário:

  1. Com esse Congresso a serviço da grana, ainda teremos muita encrenca pela frente. Espero que não termine em tragédia.

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