quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Cruzada moderna

Terminei outro dia, pelo menos dois meses depois de iniciada, a leitura do extraordinário livro do jornalista inglês Robert Fisk "A Grande Guerra pela Civilização - a Conquista do Oriente Médio". Costumo ler livros bem mais rapidamente, mas esse em particular demorou tanto por uma razão simples: a obra tem cerca de 1.500 páginas. Assim dito, parece uma travessia impossível, mas qualquer um que deseje entender o que se passou da segunda metade do século 20 até agora no mundo - ou pelo menos naquela parte onde o islamismo é a religião principal - vai ficar fascinado pela leitura.
Fisk é um dos sujeitos que mais conhecem a história dos países do Oriente Médio e imediações. Pudera, atua como jornalista naquela região há décadas, mora em Beirute há mais de 30 anos, entrevistou todo tipo de personagem e participou dos acontecimentos que fizeram o que é hoje Israel, a Jordânia, o Libano, a Síria, o Iraque, o Irã, a Argélia, o Afeganistão, a Turquia. Esteve lá, viu tudo, conversou com gente de todo tipo, reis, xeques, príncipes, generais, soldados, sobreviventes de massacres, fanáticos religiosos. A lista é enorme. Entrevistou Osama Bin Laden duas vezes, uma delas em seu esconderijo nas montanhas afegãs. Viu os mujahedins derrotarem o exército russo - estava num comboio que foi emboscado pelos guerrilheiros, ocasião em que, pela única vez em sua longa carreira, ficou com uma arma na mão, um fuzil Kalashnikov dado a ele por um tenente no caminhão em que viajava.
Em outra ocasião se viu cara a cara com nada menos que o lendário criador da arma mais popular de todos os tempos, Mikhail Kalashnikov, e não perdeu a oportunidade para lhe perguntar o que sentia ao saber que seu fuzil já havia matado tantas pessoas, muitas delas inocentes, velhos, mulheres e crianças. "Criei essa arma para defender a minha pátria", foi a resposta que ouviu.
O livro explica tudo o que vem acontecendo naquela parte do mundo. Mostra que as guerras fazem muito mais vítimas civis que militares. Revela que a ambição do Ocidente, em conjunto com a ânsia de poder de ditadores cruéis, é a causa de quase todos os horrores que se abatem sobre aqueles países, a maioria deles nascida de forma artificial, fruto de planos elaborados para atender os interesses imperialistas das potências ocidentais.
Fisk não poupa ninguém nos longos capítulos de seu livro. Procura, com a imensa carga de humanidade que sua escrita fluida carrega, ser, essencialmente, justo com os protagonistas das histórias de barbárie - todas em nome da civilização - que conta. Está tudo ali, as promessas dos americanos, dos ingleses, dos franceses, de "nós", como ele coloca, para levar àqueles povos a democracia capaz de melhorar as suas condições de vida, e todas as traições posteriores, que desencadearam episódios que envergonham a humanidade.
O relato de Fisk, muitas vezes chocante nos detalhes que apresenta, é definitivo para quem procura compreender o jogo da geopolítica mundial.
Ao mesmo tempo revela os milhões de anos-luz que separam o jornalismo que algumas pessoas ainda insistem em fazer, que busca, antes de tudo, a verdade factual, ainda que ela esteja oculta pelas sombras, daquele que somos obrigados a digerir no dia a dia tupiniquim, que se move em direção a interesses empresariais e partidários - quando não meramente criminosos.
Fisk trabalha no jornal britânico The Independent e seu livro ainda pode ser encontrado nas livrarias brasileiras, mas o preço é salgado, cerca de R$ 150. O meu exemplar foi comprado numa livraria em Serra Negra por, se me lembro bem, menos de R$ 20. Quando pagava, a moça do caixa comentou: "Acho que o sr. agora vai ter o que ler neste fim de semana."
Ah, se ela soubesse...

Um comentário:

  1. Ignorância ou má fé?!
    Sempre me pergunto de onde vem
    posicionamentos fascistas,preconceituosos,egoístas,
    opressores e etc.

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