Diz a lenda que o governador José Serra é uma pessoa de hábitos noturnos. Trabalha e dorme até tarde e obriga seus subordinados a seguir seus horários. Também é, sabidamente, centralizador. E ambicioso.
Diz a lenda que a maior ambição de José Serra é governar o país. Tentou uma vez e não deu certo. Foi preterido na disputa seguinte, quando poderia dar o troco no ex-metalúrgico, por um desafeto de seu partido, que também acabou derrotado.
Diz a lenda que a ambição de José Serra é tão grande que ele ignora qualquer tipo de escrúpulo para chegar onde quer. Coisas do tipo assinar um documento no qual se comprometia a ser prefeito de São Paulo todo o mandato e renunciar a ele no meio para se candidatar a governador - algo que fez sem pestanejar, sem arrependimentos.
Isso é o que diz a lenda.
E, por esses sussurros levados pelo vento que alimenta a política nativa, é possível imaginar outras características desse perculiar personagem. Como, por exemplo, supor que o seu mundo é estritamente dividido entre bons e maus, amigos e inimigos.
Pois só seguindo esta "weltanschaung" ele poderia não se desviar do caminho que traçou para a sua - até agora - vitoriosa carreira.
O episódio do tiroteio entre os policiais, às portas do bunker governamental, resume tudo isso. A quase tragédia propiciou um dos momentos mais ilustrativos do que é capaz de fazer uma pessoa sem nervos, como José Serra, para atingir seus objetivos. Sua fala, instigada por dóceis repórteres, foi digna da marcha do marechal Zhukov rumo a Berlim: os tanques passando por cima de tudo, sem parar um segundo, os 20 mil canhões vomitando aço e destruição, implacáveis.
Assim foi Serra, que desprezou as mais elementares noções de lógica, de pudor, de respeito, de ética e de inteligência, para proclamar, altissonante em um desvario digno das personalidades mais tresloucadas, que a culpa de tudo aquilo era ... do PT!
Nenhuma palavra sobre os motivos da manifestação, nenhuma palavra sobre o fato de a polícia paulista ser a mais mal paga do país, nada sobre o fato de os policiais estarem em greve havia um mês, nenhuma palavra sobre o que ele, o governador, fizera até então para resolver o problema, que não é só dele, nem dos grevistas, mas de toda a população.
Serra, ao parafrasear o capitão Renault, que no fim do clássico Casablanca dá ordens para prender os suspeitos de sempre, finalmente deixou as sombras em que vive e expôs, em rede nacional, o que verdadeiramente é: um ser humano pequeno, um político menor ainda.
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